Uma das minhas mais importantes "descobertas" foi a de que o petróleo foi o grande responsável pelos crescimentos económico e demográfico dos últimos 150 anos. Dele dependem a mobilidade, a indústria dos plásticos, a produção de alimentos, a construção das grandes infraestruturas. Muitas das outras formas de energia (por exemplo a hídrica e a nuclear), a exploração de carvão, as novas energia renováveis (a eólica e a solar) dependem, elas próprias, do petróleo. O consumo mundial de petróleo e o crescimento do PIB global estão perfeitamente correlacionados. A economia não consegue manter-se sem crescimento, e os instrumentos financeiros que a suportam - nomeadamente o crédito - estão intimamente associados e dependentes desse crescimento. Esta relação permitiu-me entender melhor as causas da crise de 2008 - que não foi mais do que o início de uma crise de crescimento - e confirmar o acerto das previsões do livro "The Limits to Growth" publicado em 1972, que é a minha referência pelo rigor dos seus pressupostos e pelo alcance das suas conclusões.
Não ignoro o contributo da revolução digital para termos chegado onde chegámos. Desde o início da Revolução Industrial que o consumo de energia e o desenvolvimento tecnológico evoluíram lado a lado. Por vezes, hesitamos na valorização relativa destes dois "inputs" - qual é o mais importante? - para o progresso económico, social e civilizacional. A tecnologia, é certo, só tem um sentido, o do aperfeiçoamento; por outro lado, a energia fóssil é limitada e um dia irá escassear. Os dois fatores estão intimamente interligados e não se podem dissociar. A tecnologia, sobretudo a digital, está a provocar uma verdadeira mutação na nossa espécie que só encontra paralelo na aquisição da fala e na invenção da escrita. Mas existe o reverso do salto em frente que representa a digitalização do nosso modo de viver: devido ao acréscimo de complexidade ficamos mais especializados mas, ao mesmo tempo, muito mais dependentes de ferramentas falíveis. Energia e tecnologia não são, por isso, inputs comparáveis. Para o organismo social que a é a humanidade, a tecnologia representa os neurónios que o dirigem. A indispensaável energia é o sangue que o alimenta. E a falha de qualquer deles representará o colapso.
A inesperada queda dos preços do crude em 2014 fez instalar de novo nas pessoas a ideia de que não havia que temer a escassez de petróleo. Muitos atribuíram essa queda de preços ao sucesso do fracking americano e à abundância da matéria prima. Mas começam, entretanto, a surgir sinais de que a situação pode não ser exatamente assim. De facto, a produção de petróleo convencional já atingiu o seu máximo de 75 milhões de barris diários em 2005. Todo o aumento de produção ocorrida desde essa altura está a ser feito à custa do chamado petróleo não convencional - águas profundas, areias betuminosas, de rochas de xisto, a partir de carvão e gás... -, que tem menor qualidade e é mais caro de produzir. E terá de continuar a ser assim , no futuro, dado o progressivo esgotamento das reservas de petróleo convencional. O preço do barril para conseguir o breakeven (sem lucro nem prejuízo) das explorações de petróleo não convencional situa-se bem acima dos 80 dolares por barril, valor este, por sua vez, muito superior ao preço atual do mercado (50/60 dólares) . As empresas petrolíferas são obrigadas a redobrados investimentos em equipamentos - o capex, ou capital expenditure - apenas para conseguir manter os níveis de produção. Segundo um estudo da Blomberg visando um conjunto de empresas petrolíferas, entre 2000 e 2012, só para manter constante nível de produção o capex aumentou cinco vezes. Como resultado disto - e também para continuar a distribuir dividendos - as maiores empresas petrolíferas (como são os casos da Shell, da Exxon ou da Chevron) estão a endividar-se a valores sem precedentes. Steven Kopits, da consultora Douglas-Westwood, diz que face à falta de produtividade do capital investido, só com o preço da barril acima dos 100 dólares as empresas poderão libertar cash para continuar a investir e continuar a distribuir dividendos. E esta argumentação é válida também para os países produtores, os quais já não conseguem financiar os seus orçamentos com as receitas do petróleo ao preço atual e ameaçam entrar na bancarrota. A própria Arábia Saudita -o maior exportador mundial - necessitará de vender petróleo a 100 dólares o barril para equilibrar o seu orçamento.
Esta aparente contradição tem uma explicação. A industria petrolífera é ela própria um grande consumidor de petróleo. A tal ponto, que nos já referidos processos de exploração não convencional, se necessita, grosso modo, de um barril de petróleo para produzir dois. Ou seja, a quantidade liquida de petróleo que chega à economia é metade da quantidade produzida. E a economia, precisando de petróleo para crescer, não suporta pagar preços acima dos que estão a ser praticados atualmente. Na ordem dos 50/60 dólares por barril. Ou seja, aumentar o preço arruinaria a economia e por consequência agravaria ainda mais a debilidade das empresas do sector petrolífero. A única forma de manter a situação - isto é gerar o crescimento sem o qual a economia colapsa - tem sido a injeção massiva de crédito, ou seja pondo os bancos centrais a imprimir moeda e criando dívida de uma forma nunca antes vista. A tal ponto que na União Europeia - refiro como exemplo -, por cada 18 euros injetados pela via do crédito na economia apenas se consegue um euro no crescimento da economia real. Mas a opção de aumentar o crédito não resolve o problema. Ela tem apenas o efeito de atrasar o desenlace de um eminente colapso económico e financeiro. Atraso este que pode apenas servir para que ele seja mais severo e mais destruidor quando vier a ocorrer.
Está o mundo perante um dilema: petróleo caro que inviabiliza o crescimento da economia ou petróleo barato que arruína a indústria petrolífera. As incertezas e a desorientação a que assistimos não acontecem por acaso..
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