Os tristes acontecimentos de Pedrógão Grande, assinalados por tantas perdas de vidas, merecem uma reflexão. No rescaldo da tragédia, muitos procuram causas, outros exigem explicações, outros clamam por culpados. Como é habitual nestas situações, pedem-se inquéritos ou nomeiam-se comissões que não conduzirão a nenhuma conclusão e só servirão para que, aos poucos, o caso vá caindo nos esquecimento. O que aconteceu em Pedrógão foi aquilo a que Talim Nasseb chamou um cisne negro, um evento raro, aparentemente inverosímil e não expectável, mas com grande impacto social. Estes acontecimentos têm uma importância decisiva no desenrolar da história e, muitas vezes, constituem oportunidades para mudar o seu rumo.
A chamada zona do Pinhal Interior situada no coração de Portugal, e que integra concelhos pertencentes aos distritos de Coimbra, Leiria, Santarém e Castelo Branco, é uma vasta e pobre região, atualmente desertificada de pessoas. Noutros tempos, quando o território era ocupado, praticava-se ali uma economia agrícola de subsistência: havia zonas de cultivo e zonas de pastagem, e, no coberto vegetal, existiam espécies alternativas como a oliveira, o carvalho, o castanheiro ou a azinheira. A limpeza da floresta não era feita por obrigação para a proteger do fogo, mas pela necessidade de recolher lenha para as lareiras e para os fornos. Durante centenas de anos vigorou este regime e os incêndios de verão não existiam, ou, quando existiam, não eram necessariamente calamidades.
Com o abandono da região, muitos campos de pastagens ou de vocação agrícola deram lugar a uma quase contínua mancha florestal de pinheiros e eucaliptos. Esta forma de ocupação revelou-se ser a mais compatível com a progressiva falta de braços, na medida em que tinha - ou parecia ter! -subjacente algum valor económico para os proprietários dos terrenos. Mas surgiu uma contradição que, ano após ano, passou a ser evidenciada nos incêndios de verão. A ocupação florestal daquela zona não se coaduna com o regime de minifúndio. Com efeito, a floresta precisa de ser pensada como um todo e o seu planeamento não pode ser feito com a terra partilhada, em que as escolhas são feitas pelos proprietários das pequenas parcelas de terra prevalecendo o interesse particular - mais económico - sobre o interesse geral - a sustentabilidade a beleza da paisagem e, sobretudo, a segurança relativamente aos fogos.
Em síntese, alterou-se radicalmente a vocação agrícola do território mas nada se fez relativamente ao regime de propriedade. Enquanto isso não se fizer, o problema dos incêndios na floresta não será resolvido. Continuar a investir apenas no combate ao fogo - como se tem feito até agora - terá, no futuro, custos acrescidos e cada vez mais incomportáveis. A oportunidade de fazer alguma coisa pode ter chegado com a tragédia de Pedrógão. Aproveitá-la será uma forma de homenagear os que nela ingloriamente perderam a vida e os haveres. Sobre a terra queimada deve iniciar-se a revolução que se impõe. Revolução que deverá debruçar-se sobre o regime da propriedade rural. Se não se fizer agora perdemos tempo e temos de esperar pelo próximo incêndio que poderá ser ainda mais trágico. Encontrar a forma de fazer esta revolução deve ser a primeira preocupação dos governantes.
Tudo terá de começar com a definição da zona de intervenção que pode tomar a forma de parque florestal ou de uma zona protegida. Uma vez definida a zona de intervenção, chegará o momento do fazer o projeto para a sua reocupação. Será o tempo dos técnicos - agrónomos, silvicultores, arquitectos paisagistas, ambientalistas, geólogos, climatólogos etc... - e dos visionários apresentarem as suas propostas e será o momento da sociedade, de forma democrática e informada, escolher as melhores.
A nova floresta terá de ser ecológica, sustentável e diversificada, deve ter valor económico, deve ser resiliente aos incêndios e deve ter beleza paisagística. Deve, sobretudo, ter a capacidade de atrair novos ocupantes para repovoar a região. Isso será conseguido pelo desenvolvimento das atividades económicas ligadas à floresta, a um novo tipo de agricultura e pastorícia e ao turismo de natureza.
Fazer isto, será transformar o inferno de Pedrógão num Paraíso Nacional.
A receita aqui advogada para a Pinhal Interior - com as adaptações às particularidades de cada caso - poderá aplicar-se a outros territórios do Interior que sofrem o problema da desertificação. A sua tão necessária reocupação exige um rápido e corajoso reordenamento do regime da propriedade rural. Sabendo que isso terá elevados custos políticos, tal só será possível com um alargado pacto entre as forças mais representativas. Mas valerá a pena, pois é o futuro do país que está em jogo.
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