Muitas das previsões que nos são apresentadas sobre o futuro da Humanidade estão relacionadas com a tecnologia digital. Refiro-me aos propalados milagres da inteligência artificial; à crença em se atingir o conhecimento ilimitado; ao podermos assistir, a breve prazo, ao prolongar da vida; à possibilidade de descer ao infinitamente pequeno para descobrir os últimos segredos da matéria, ou de ascender ao infinitamente grande, para explorar o Universo e colonizar outros mundos; à eterna aspiração de criar a sociedade perfeita, igualitária e justa; ao libertar, pela robótica, o homem do trabalho duro e repetitivo. Nestas previsões, a espiritualidade e os valores estão ausentes, o Homem ambiciona - e acredita - que pode ocupar o lugar de Deus.
Mas as utopias não passam disso mesmo e, na minha opinião, a sua concretização está muito desfasada da realidade. Elas esbarram com os ditames da economia que nos governa, a qual exige o crescimento a todo custo, tende a preservar os mais fortes e a eliminar os mais fracos - na sua essência a economia é
darwiniana - , ignorando a utilização racional dos recursos escassos e os malefícios da produção de resíduos poluentes. A economia do lucro, da livre concorrência e da globalização serve apenas o ser humano, ignora o planeta e os seus equilíbrios e despreza as outras espécies, muitas já extintas e muitas outras inevitavelmente condenadas à extinção. Para evitar excessos, esta economia promotora de desigualdades, precisa de ser regulada pela política. E, paradoxalmente, os políticos que se preocupam com a justa distribuição da riqueza estão obrigados a colocar-se ao serviço da economia que a cria. No futuro, a economia procurará utilizar as ferramentas da era digital para atingir os seus desígnios. E esta apropriação pode ter um efeito perverso e funcionar como o catalisador do agravamento dos seus malefícios.
Vivemos num planeta finito e já ocupamos as suas fronteiras. O maior dilema que se apresenta aos homens do futuro deriva da impossibilidade de - mesmo dispondo de uma grande panóplia de ferramentas digitais - assegurar indefinidamente o crescimento contínuo da riqueza. Para evitar o colapso, a humanidade vai ter de encontrar uma nova economia que possa funcionar sem crescimento e que, ao mesmo tempo, faça prosperar a espécie humana. Uma economia que seja capaz de lidar com as armadilhas que estão subjacentes à complexidade do mundo digital. Como contrariar os efeitos da exigência do crescimento
exponencial da economia que, por sua vez, arrasta o da população, o da
poluição e leva à escassez de recursos nomeadamente da água, da energia
fóssil, da terra arável e de alguns metais essenciais? Estará esta
exigência a conduzir-nos ao colapso? Conseguiremos criar uma economia
alternativa que possa conviver com os limites ao crescimento?
Para isto ser possível muita coisa vai ter que mudar. A bem ou a mal. A sociedade do futuro tem de estar apoiada num novo sistema de valores e com novas práticas. A democracia não poderá ser pensada apenas para servir os interesses dos estados e tem de ser pensada para funcionar no plano global. Só um governo mundial - liderado pelos mais justos e pelos mais capazes - poderá assegurar a justiça social e a igualdade entre pessoas e entre estados. A comunicação social tem de passar a estar ao serviço da humanidade em geral e não de interesses particulares ou de grupos. Tem de passar a haver mais respeito pela natureza e pelo uso racional dos recursos, pelo que será necessário mudar hábitos de vida e hábitos de consumo. A prosperidade tem de ser focada no
ser e não no
ter. Vai ter de ser reequacionado o balanço entre os interesses dos indivíduos em particular e o interesse da sociedade em geral. E - questão central, delicada e de difícil solução - vai ter de ser encontrada a forma de introduzir um ajustamento para adequar o crescimento populacional à capacidade sustentável do planeta.
O mundo do futuro não muito longínquo - penso em décadas, não em séculos - vai ser um mundo muito diferente do atual e, provavelmente muito afastado daquele que os futurologistas imaginam. Não haverá apenas uma nova economia mas também uma nova moral, novas leis, novos valores e uma nova forma de organização social. O processo de transição não será pacífico, pois muitos irão perder privilégios. Os homens que irão construir a sociedade do futuro têm de estar preparados para o fazer. E é esta geração que tem de os preparar. Temos de repensar o papel da educação, e são muitas as questões que se nos colocam.
Vamos educar as crianças para a economia da competição e do crescimento, das alterações climáticas e da delapidação dos recursos? Vamos apontar-lhe o sucesso e a riqueza material como o grande objetivo da vida, ou vamos mostrar-lhe os valores universais da verdade, da justiça e da solidariedade? Vamos alimentar os seus sonhos para utopias ou vamos alertá-las para as armadilhas da economia digital? Queremos que a escola do futuro seja o lugar onde apenas se dão respostas a perguntas que os alunos nunca fizeram ou, pelo contrário, seja o lugar onde se estimulam os alunos a fazer as perguntas para esclarecer as suas dúvidas? Vamos continuar a introduzir nas mentes das crianças matérias curriculares cada vez mais vastas, ou libertar o potencial da criatividade alimentado pela curiosidade natural que existe dentro de cada ser humano? Na Fundação Vox Populi esforçamos-nos para encontrar respostas para estas perguntas.
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