A eleição de Donald Trump como 45º Presidente dos EUA deixou muita gente à beira de um ataque de nervos. E o caso não é para menos. A América é o país mais poderoso do planeta; o que acontece na América propaga-se ao planeta global. Nos próximos tempos, aquilo que Trump fizer ou deixar de fazer não interessa apenas aos americanos. Assim, hoje proponho-me passar em revista alguns dos dossiers mais sensíveis sobre os quais a nova administração terá de debruçar-se.
O futuro da Nato, o lobby militar
Com apenas cinco por cento da população mundial, de acordo com dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, os Estados Unidos tiveram, em 2011, uma despesa militar de 607 mil milhões de dólares, que representaram, nesse ano, 41% do total dos gastos militares mundiais. Com 8%, a longa distância, segue-se a populosa China. Toda a estrutura, que suporta a máquina militar americana, representa cerca de 5% do PIB, um peso considerável na economia deste país. Por isso, não admira que exista nos Estados Unidos um fortíssimo lobby criado para proteger a indústria do armamento militar. Qualquer alteração da política externa dos Estados Unidos, que vise reduzir a intervenção militar, vai ter de confrontar-se com este lobby. Neste contexto, a Nato assume uma importância fundamental. Criada para enfrentar o poder da antiga União Soviética, inclui o Canadá, países europeus e a bem armada Turquia. Após a queda do muro de Berlim, teve um importante papel na Guerra dos Balcãs, na Líbia e na estabilização do Leste Europeu. Presentemente, no discurso oficial, a justificação da Nato tem a ver com a chamada ameaça da Rússia. Mas tem também a ver com a proteção do Estado de Israel e a manutenção da presença do Ocidente no Médio Oriente. Não se sabe até que ponto, e por quanto tempo, os americanos poderão continuar a manter o papel de polícias do mundo. Trump já deu a entender que poderá reduzir o esforço americano na Nato e pedir uma maior comparticipação dos aliados europeus. Todavia, foi da boca do Secretário- Geral da Organização que veio uma das primeiras reações, ao revelar preocupação com as consequências da eleição de Trump.
A hegemonia americana na economia digital
Vivemos num mundo dominado pela tecnologia digital. E a tecnologia digital, sediada na América, é um negócio quase exclusivamente americano. Empresas como a Microsoft, a Google ou a Apple têm uma enorme importância estratégica. O poder associado ao controlo das redes de comunicações, dos servidores, das aplicações e das bases de dados é vital para a economia e para a segurança americana. Até que ponto a nova administração será tentada a criar uma sociedade orwelliana, é uma dúvida que persiste. Resistirão os Estados Unidos à tentação de usar o seu poder digital como arma económica, e até militar, provocando perturbações ou blackouts cirúrgicos em sectores económicos ou em espaços situados nas suas zonas de interesse estratégico?
As relações com a Europa
A Europa sem ideologia, sem recursos e capacidade de defender-se a si própria, é hoje uma colónia da América. O essencial da estratégia económica europeia passa pelo reforço dos laços com os Estados Unidos, como é o exemplo bem expressivo do ansiado TTIP- um tratado de comércio livre visando a criação de uma zona económica privilegiada no Atlântico Norte. Mas, para muitos americanos a Europa desunida, em desagregação, sem estratégia e incapaz de superar os seus problemas, está a constituir um fardo injustificado. O brexit, preservando a relação separada com a Inglaterra, seu principal parceiro e aliado, vai contribuir para um maior desinteresse e afastamento da América com uma União Europeia, continental e agregada pela Alemanha.
O reforço da globalização. Os acordos de comércio livre
A globalização tornou-se uma imperiosa necessidade para a economia e para assegurar o seu crescimento. Foi a entrada da China na Organização Internacional do Comércio que motivou o seu elevado crescimento, o qual por sua vez alavancou a retoma da economia mundial nas duas últimas décadas e teve um papel decisivo na superação da crise pós Lehman. Qualquer entrave ao reforço da globalização irá provocar problemas ao crescimento económico, e por consequência, terá fortes implicações económicas, financeiras e sociais. Uma eventual politica protecionista - já anunciada por Trump, visando a China -, e contrária a este espírito globalizante, poderá ter um explosivo potencial de geração de uma nova crise.
O problema dos recursos energéticos. O Médio Oriente
A energia é o principal fator de crescimento da economia mundial. Nesse domínio, adquirem importância especial os combustíveis fósseis, muito em particular o petróleo. Ora, os Estados Unidos são, desde há muito, importadores líquidos de petróleo. Desde o início dos anos setenta, toda a estratégia militar americana está orientada para a defesa e proteção das reservas de energia fóssil do Médio Oriente, e para a segurança das rotas que asseguram o seu escoamento. Isso mesmo foi expresso na Doutrina Carter, enunciada a seguir ao primeiro choque petrolífero. A maciça presença americana no Médio Oriente justifica-se à luz dessa doutrina. Nos últimos anos, a extração de petróleo pelo processo de fracking - o famoso petróleo de xisto -, o aumento da eficiência energética nos transportes, o desenvolvimento das energias renováveis, a redução do consumo em resultado do declínio das indústrias pesadas em detrimento dos serviços, estão a devolver aos americanos a crença de que a tão almejada independência energética externa pode ser atingida. Julgo que o pensamento de Trump, ao anunciar o levantamento de restrições ao fracking e, possivelmente, autorizando a exploração em áreas protegidas do Alaska, vai nesse sentido. Mas, os americanos sabem que não será fácil aliviar a pressão militar no Golfo, pois qualquer cedência nessa zona abrirá caminho aos interesses de outros países como a China, a Rússia, a Índia e o Japão. A acontecer, isso seria uma tragédia para os europeus, que têm na sua grande dependência energética a principal vulnerabilidade. Numa tal situação, não teriam outra alternativa que procurar alianças, a leste, com a Rússia. Para Trump o Médio Oriente será o dossier mais delicado e mais sensível da sua governação. Turquia, Israel, Palestina, Arábia Saudita, Síria, Irão, Afeganistão são peças de um jogo complexo onde se joga muita coisa. Aqui entroncam questões tão importantes como o papel da Nato, as relações com a Europa, inclusive, a gestão dos assuntos relativos aos refugiados e aos emigrantes.
A demografia. Os muros
O elevado crescimento demográfico está a criar fortes desequilíbrios e distorções a nível mundial. As pressões demográficas fazem sentir-se no sul dos Estados Unidos e no Sul da Europa. Tudo indica que a pressão vai manter-se e vai agravar-se quando, tal qual um tsunami, a onda subsariana e hispano-americana começar a deslocar-se para o Norte. O Ocidente rico, envelhecido e desprovido de ideologia e valores é a barreira a transpor. Não haverá muros que detenham a onda.
As emissões poluentes: as alterações climáticas.
A insensibilidade de Trump à questão das emissões poluentes, e o consequente risco das alterações climáticas, está em consonância com o radicalismo neoliberal que só pensa no crescimento a curto prazo e a todo o custo. Após a Conferência de Paris, o problema não pode mais ser camuflado nem ignorado. Perante a força dos movimentos internos e externos, a nova administração americana terá muita dificuldade em ignorar o problema.
Vive-se uma estranha sensação de que a eleição de Trump poderá significar o princípio do fim da Pax Americana. Mas, isso poderá não ser uma coisa necessariamente má. Só o futuro o dirá. Futuro que fica agora mais incerto e muito mais perigoso do que já estava. Por aqui, por este jardim à beira mar plantado, vamos assistindo incrédulos, mas impávidos e serenos, à espera que as coisas aconteçam...
segunda-feira, 14 de novembro de 2016
segunda-feira, 7 de novembro de 2016
Por terras da Ria de Aveiro, falando de Educação
Os encontros com professores que realizamos por ocasião das sessões de formação dos programas Nepso e Rato de Biblioteca são momentos muito importantes que nos permitem ficar a conhecer melhor a realidade escolar. A convivência com os professores e a envolvência com a relidade do dia-a-dia da escola, reforça a nossa convicção de que estamos no bom caminho para ajudar a preparar o futuro dos nossos jovens. Sim, porque falar da educação é falar do futuro. Quando se desmorona o edifício da educação, caem os alicerces do nosso futuro coletivo. Voltar à escola devia ser uma obrigação para todos aqueles que atingem a idade da reforma. Isso far-nos-ia perceber quanto envelhecemos ou sentir quão jovens ainda somos! Desta vez, foi em Ovar onde fomos recebidos pela equipe do Centro Escolar da Regedoura que se situa na freguesia de Válega. Estavam presentes professores do Norte, mais propriamente de Caminha, de Ovar, de Caldas das Taipas, de Ponte de Lima, de Matosinhos e, este ano pela primeira vez, um grupo de professoras da Trofa.
O Nepso (A Nossa Escola Pesquisa a Sua Opinião) é o programa baseado numa metodologia de ensino inovadora que a Fundação Vox Populi está, desde há 7 anos, a levar com êxito a dezenas de escolas portuguesas. Professores e alunos candidatam-se a realizar um projeto de investigação tendo como base um estudo de opinião. O Rato de Biblioteca é outro programa da Fundação através do qual se procura ensinar os alunos a pesquisar, criticar e conciliar a informação disponível e oriunda de diferentes fontes. Este ano o tema proposto para o Rato de Biblioteca é o voluntariado.
No ensino tradicional, os alunos são preparados para dar as respostas convencionais dos manuais escolares. Tanto no Nepso como no Rato de Biblioteca procura-se estimular os alunos a partir à descoberta das respostas. A fazerem perguntas e a questionarem o mundo à sua volta. O resultado é a aquisição de conhecimento, fruto de um trabalho em equipa. O professor deixa de ser o sabe tudo para ser o condutor da pesquisa. Quando o professor, com os seus alunos, escolhem um tema de pesquisa, eles iniciam, em conjunto, uma caminhada, partem para uma espécie de aventura. Não há temas bons nem maus. Logo no início, debruçam-se e começam a explorar e a contextualizar o tema: perceber os conceitos, o significado das palavras, aprender o que outros já estudaram, identificar as perguntas que ainda não têm resposta. Às vezes, nesta fase ainda preliminar, a vastidão do que encontram por debaixo da parte visível do "iceberg" deixa-os surpresos. E anima-os a prosseguir. Com o Rato de Biblioteca procuramos estimular a pesquisa da informação que circula em grandes quantidades, sobretudo na Internet, e que é um convite ao copy-paste acrítico. Saber usar a informação, filtrá-la, compará-la, relacioná-la e transformá-la em conhecimento, é o principal objetivo deste programa.
O Nepso e o Rato de Biblioteca são uma caminhada de professores e de alunos. São ferramentas que nos ajudam a subir um degrau na escada do saber.
O Nepso (A Nossa Escola Pesquisa a Sua Opinião) é o programa baseado numa metodologia de ensino inovadora que a Fundação Vox Populi está, desde há 7 anos, a levar com êxito a dezenas de escolas portuguesas. Professores e alunos candidatam-se a realizar um projeto de investigação tendo como base um estudo de opinião. O Rato de Biblioteca é outro programa da Fundação através do qual se procura ensinar os alunos a pesquisar, criticar e conciliar a informação disponível e oriunda de diferentes fontes. Este ano o tema proposto para o Rato de Biblioteca é o voluntariado.
No ensino tradicional, os alunos são preparados para dar as respostas convencionais dos manuais escolares. Tanto no Nepso como no Rato de Biblioteca procura-se estimular os alunos a partir à descoberta das respostas. A fazerem perguntas e a questionarem o mundo à sua volta. O resultado é a aquisição de conhecimento, fruto de um trabalho em equipa. O professor deixa de ser o sabe tudo para ser o condutor da pesquisa. Quando o professor, com os seus alunos, escolhem um tema de pesquisa, eles iniciam, em conjunto, uma caminhada, partem para uma espécie de aventura. Não há temas bons nem maus. Logo no início, debruçam-se e começam a explorar e a contextualizar o tema: perceber os conceitos, o significado das palavras, aprender o que outros já estudaram, identificar as perguntas que ainda não têm resposta. Às vezes, nesta fase ainda preliminar, a vastidão do que encontram por debaixo da parte visível do "iceberg" deixa-os surpresos. E anima-os a prosseguir. Com o Rato de Biblioteca procuramos estimular a pesquisa da informação que circula em grandes quantidades, sobretudo na Internet, e que é um convite ao copy-paste acrítico. Saber usar a informação, filtrá-la, compará-la, relacioná-la e transformá-la em conhecimento, é o principal objetivo deste programa.
O Nepso e o Rato de Biblioteca são uma caminhada de professores e de alunos. São ferramentas que nos ajudam a subir um degrau na escada do saber.
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
Lembrar e Esquecer
No passado dia 27 de outubro, Guilherme d´Oliveira Martins esteve no Grémio Literário como orador convidado da segunda conferência do ciclo "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", promovido pelo Clube Português de Imprensa em parceria com o Centro Nacional de Cultura. O orador, atualmente administrador da Fundação Gulbenkian, personalidade ilustre da nossa cultura, é um jurista com uma grande experiência política e competência nas áreas económica e financeira. Por isso, não causou espanto que a biblioteca do Grémio onde decorreu a sessão estivesse a rebentar pelas costuras.
Oliveira Martins começou por fazer o diagnóstico da situação na Europa que, segundo ele, vive um dos períodos mais difíceis dos últimos sessenta anos da sua história: um crescimento fraco – a Europa tem agora o mesmo PIB de 2008, enquanto o PIB americano cresceu em igual período 19% -, lideranças enfraquecidas, partidos populistas em ascensão, regresso dos egoísmos nacionais. A agravar tudo isto, está em curso o brexit que veio trazer muitas outras incertezas políticas e económicas. Logo no início, porém, deixou uma mensagem de otimismo e confiança: precisamos de olhar para o futuro, e acreditar; o mais importante é não cometer erros irreversíveis.
Numa época em que se desvanece a memória da guerra, precisamos lembrar e, ao mesmo tempo, esquecer: lembrar para que uma tragédia semelhante não volte a acontecer, esquecer para que não perdure a vingança, nem o ódio, nem o ressentimento. Frisou ter sido uma guerra longa de 30 anos a que se viveu na Europa no século passado, pois à Primeira Guerra Mundial, que acabou com a humilhação dos vencidos no Tratado de Versalhes, seguiu-se a Segunda como continuação da anterior. Desde o final do conflito, e a propósito, sublinhou a importância no pós guerra do plano Marshall, vivemos o mais longo período de paz da história europeia.
Centrando-se na situação da Europa, citou um artigo de Jacques Delors, publicado há dias, para afirmar que, em relação ao passado, devemos ser menos ambiciosos e também mais ambiciosos. Menos, aceitando que não podemos construir uma Europa perfeita, e mais para atingir três imperativos: salvaguardar a Europa como um espaço de paz, garantir o seu desenvolvimento sustentável e preservar a sua diversidade cultural. Voltou ainda a citar Jacques Delors ao afirmar que a União Económica e Monetária está mal preparada para a crise que aí vem, apontando como causas da estagnação: o fechamento da economia no seu mercado interno, a resistência à inovação e à criatividade, a fragmentação política e a insuficiência das medidas de coesão económica e social. Com um orçamento Europeu igual a 1% do PIB global não pode haver coesão, pois um valor de 3% seria o mínimo necessário, embora ainda insuficiente. Em síntese, a União Europeia necessita de mais convergência e mais crescimento.
Acrescentou ser o próprio Instituto Jacques Delors que aponta a necessidade de atuar em três direções 1. Reforço da estabilidade 2. Reforço acrescido da união bancária e maior controlo económico 3. Maior proximidade com os seus cidadãos. Sobre este último ponto, realçou que a União se apoia na legitimidade dos Estados e na legitimidade dos seus cidadãos, considerando necessária uma maior intervenção dos parlamentos nacionais. Guilherme d´Oliveira Martins diz, enfaticamente, que "falta à União Europeia um senado” onde todos os seus Estados estejam igualitariamente representados e trabalhe em conjunto com o Parlamento Europeu.
Disse ser consensual entre os analistas terem sido os últimos dez anos uma década perdida. Todavia, insistiu em afirmar que a Europa é mais necessária do que nunca, e ser fundamental a existência do Euro, apesar de incompleto e ameaçado pelos maus resultados da convergência. Sintetizou a sua análise ao dizer que vivemos num sistema de polaridades difusas que geram a ameaça do terrorismo e a incapacidade de encontrar soluções, e que necessitamos de um sólido orçamento da zona Euro bem como de reforçar os mecanismos de estabilização e confiança. Além disso, temos de saber lidar com o brexit, uma nova circunstância que nos obrigará a criar uma união de segurança.
Não se considera otimista em relação ao futuro da Europa; em contrapartida, declara-se confiante em relação a Portugal. É que para lá do potencial resultante da plataforma continental, o português - língua de várias culturas e cultura de vários línguas -, será um dos cinco idiomas (os outros são o pequinês, o hindi, o espanhol e o inglês) que mais vão crescer até 2070. Aliás, com 400 milhões de falantes no final do século, o português é já, neste momento, o idioma mais falado no Hemisfério Sul. Concluiu, dizendo ser necessário apostar na sustentabilidade – económica, demográfica, social e ambiental-, na inovação, na criatividade e na sobriedade económica. Ora, se temos menos, então temos de viver com menos.
O discurso de Oliveira Martins torna-se vibrante e contagiante quando fala de Portugal e da portugalidade. Infelizmente não consigo partilhar do seu empolgante otimismo. Tenho presentes opiniões proferidas, naquela mesma sala, por outros oradores ao dizerem que Portugal não tem estratégia, que a classe política olha demasiado para as suas conveniências, que as pessoas se preocupam mais com o individual do que com o coletivo e que não somos capazes de criar consensos para as reformas que se impõe fazer. Não posso esquecer que ficou sem resposta a pergunta que constituiu o tema do anterior ciclo destas conferências "Que Portugal queremos ser?" Mas hei-de lembrar as palavras sábias que ouvi a Guilherme d´Oliveira Martins proferidas no Grémio Literário. Dessas, destaco três: sustentabilidade, criatividade e sobriedade.
Oliveira Martins começou por fazer o diagnóstico da situação na Europa que, segundo ele, vive um dos períodos mais difíceis dos últimos sessenta anos da sua história: um crescimento fraco – a Europa tem agora o mesmo PIB de 2008, enquanto o PIB americano cresceu em igual período 19% -, lideranças enfraquecidas, partidos populistas em ascensão, regresso dos egoísmos nacionais. A agravar tudo isto, está em curso o brexit que veio trazer muitas outras incertezas políticas e económicas. Logo no início, porém, deixou uma mensagem de otimismo e confiança: precisamos de olhar para o futuro, e acreditar; o mais importante é não cometer erros irreversíveis.
Numa época em que se desvanece a memória da guerra, precisamos lembrar e, ao mesmo tempo, esquecer: lembrar para que uma tragédia semelhante não volte a acontecer, esquecer para que não perdure a vingança, nem o ódio, nem o ressentimento. Frisou ter sido uma guerra longa de 30 anos a que se viveu na Europa no século passado, pois à Primeira Guerra Mundial, que acabou com a humilhação dos vencidos no Tratado de Versalhes, seguiu-se a Segunda como continuação da anterior. Desde o final do conflito, e a propósito, sublinhou a importância no pós guerra do plano Marshall, vivemos o mais longo período de paz da história europeia.
Centrando-se na situação da Europa, citou um artigo de Jacques Delors, publicado há dias, para afirmar que, em relação ao passado, devemos ser menos ambiciosos e também mais ambiciosos. Menos, aceitando que não podemos construir uma Europa perfeita, e mais para atingir três imperativos: salvaguardar a Europa como um espaço de paz, garantir o seu desenvolvimento sustentável e preservar a sua diversidade cultural. Voltou ainda a citar Jacques Delors ao afirmar que a União Económica e Monetária está mal preparada para a crise que aí vem, apontando como causas da estagnação: o fechamento da economia no seu mercado interno, a resistência à inovação e à criatividade, a fragmentação política e a insuficiência das medidas de coesão económica e social. Com um orçamento Europeu igual a 1% do PIB global não pode haver coesão, pois um valor de 3% seria o mínimo necessário, embora ainda insuficiente. Em síntese, a União Europeia necessita de mais convergência e mais crescimento.
Acrescentou ser o próprio Instituto Jacques Delors que aponta a necessidade de atuar em três direções 1. Reforço da estabilidade 2. Reforço acrescido da união bancária e maior controlo económico 3. Maior proximidade com os seus cidadãos. Sobre este último ponto, realçou que a União se apoia na legitimidade dos Estados e na legitimidade dos seus cidadãos, considerando necessária uma maior intervenção dos parlamentos nacionais. Guilherme d´Oliveira Martins diz, enfaticamente, que "falta à União Europeia um senado” onde todos os seus Estados estejam igualitariamente representados e trabalhe em conjunto com o Parlamento Europeu.
Disse ser consensual entre os analistas terem sido os últimos dez anos uma década perdida. Todavia, insistiu em afirmar que a Europa é mais necessária do que nunca, e ser fundamental a existência do Euro, apesar de incompleto e ameaçado pelos maus resultados da convergência. Sintetizou a sua análise ao dizer que vivemos num sistema de polaridades difusas que geram a ameaça do terrorismo e a incapacidade de encontrar soluções, e que necessitamos de um sólido orçamento da zona Euro bem como de reforçar os mecanismos de estabilização e confiança. Além disso, temos de saber lidar com o brexit, uma nova circunstância que nos obrigará a criar uma união de segurança.
Não se considera otimista em relação ao futuro da Europa; em contrapartida, declara-se confiante em relação a Portugal. É que para lá do potencial resultante da plataforma continental, o português - língua de várias culturas e cultura de vários línguas -, será um dos cinco idiomas (os outros são o pequinês, o hindi, o espanhol e o inglês) que mais vão crescer até 2070. Aliás, com 400 milhões de falantes no final do século, o português é já, neste momento, o idioma mais falado no Hemisfério Sul. Concluiu, dizendo ser necessário apostar na sustentabilidade – económica, demográfica, social e ambiental-, na inovação, na criatividade e na sobriedade económica. Ora, se temos menos, então temos de viver com menos.
O discurso de Oliveira Martins torna-se vibrante e contagiante quando fala de Portugal e da portugalidade. Infelizmente não consigo partilhar do seu empolgante otimismo. Tenho presentes opiniões proferidas, naquela mesma sala, por outros oradores ao dizerem que Portugal não tem estratégia, que a classe política olha demasiado para as suas conveniências, que as pessoas se preocupam mais com o individual do que com o coletivo e que não somos capazes de criar consensos para as reformas que se impõe fazer. Não posso esquecer que ficou sem resposta a pergunta que constituiu o tema do anterior ciclo destas conferências "Que Portugal queremos ser?" Mas hei-de lembrar as palavras sábias que ouvi a Guilherme d´Oliveira Martins proferidas no Grémio Literário. Dessas, destaco três: sustentabilidade, criatividade e sobriedade.
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Guerra e Paz
Se perguntarmos ao cidadão comum se concorda com a existência de guerras, a resposta será, invariavelmente, a negativa. Contudo, na história da Humanidade, desde os tempos mais recuados, existe um interminável rosário de conflitos e de guerras a demonstrar que eles são inerente às sociedades humanas. Nos grupos nómadas de caçadores-recoletores havia as guerras tribais, onde os guerreiros lutavam corpo a corpo ou usavam as lanças da caça. Mais tarde, criaram-se exércitos organizados servidos por armas, cavalos e carros de combate. No século XIV, a pólvora, com a espingarda e a artilharia, veio alterar a forma de combater. No século passado, os combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo, trouxeram a guerra mecanizada e a aviação. Mais recentemente, surgiu a guerra eletrónica com armas comandadas à distância e visando interferir com os sistemas de comunicação. Desde Hiroshima, as armas nucleares, com um efeito destruidor cego e massivo, pesam como uma permanente ameaça sobre o nosso futuro como espécie, e são, porventura, o fator mais dissuasor de uma nova guerra global.
Faz agora precisamente 100 anos que a Europa estava em estado de guerra. As tropas do Corpo Expedicionário Português aprontavam-se em Tancos para partirem para França. Iam participar numa guerra que não era a sua e sobre a qual nada sabiam. A maior parte das praças vinha das áreas rurais do mais profundo de Portugal, sobretudo das regiões mais populosas do Minho, de Trás-os-Montes e das Beiras. Depois de muita discussão e de muita hesitação Portugal acabava por entrar na guerra ao lado da Entente Cordiale, integrado na organização militar inglesa a combater na frente da Flandres. A I Guerra Mundial foi devastadora. Terminou sem um um claro vencedor. A Alemanha foi condenada ao pagamento de elevadas indemnizações aos vencedores, mas não houve responsabilização nem criminalização dos vencidos. Quando o armistício, que impunha condições que os alemães consideraram humilhantes, estava a ser assinado na carruagem de Compiègne começava a germinar a semente que viria a originar a II Guerra Mundial, ainda mais devastadora que a Primeira.
Acredito que esta guerra em dois atos foi a última guerra Global. Creio também que ela não poderia ter sido evitada. As tensões acumulavam-se por toda a Europa: O Império Austro-húngaro uma monarquia dual assente nas elites, formado em 1867, era uma estrutura anacrónica sobrevivente do antigo regime que enfrentava fortes sentimentos independentistas ou autonomistas dos muitos grupos étnicos: alemães, húngaros, checos, eslovacos, polacos, ucranianos, eslovenos, sérvios, croatas, romenos e italianos; a Alemanha e a Itália unificadas no final do século XIX procuravam afirmar-se como novas potências; o Império Otomana estava em desagregação; a Rússia czarista alimentava o sonho de um grande Império eslavo; a França, que ainda não se tinha recomposto das derrotas de Waterloo e da guerra Franco-Prussiana, queria desforrar-se. À Inglaterra, senhora de um vaso império, não interessava a guerra, mas tinha de a enfrentar se ela se desencadeasse. A revolução industrial estava a mudar o mundo. Já se sabia que o petróleo - que não existia na Europa - seria o motor da economia, e todos olhavam para o Mar Cáspio e para o Médio Oriente como áreas estratégicas. Os Estados Unidos, distantes, ainda estavam adormecidos e não tinham ambições de dominar o mundo. A agricultura estava a dar lugar à fábrica e as elites ligadas à posse da terra estavam a ser substituídas pelas novas elites do poder industrial. Por tudo o que se disse, na ausência de um forum moderador, a guerra era inevitável. Faltava o rastilho, que surgiu em Serajevo no dia 28 de junho de 1914, com os assassinatos do arquiduque Francisco Fernando e da sua esposa Sofia
A guerra foi um flagelo em qualquer sociedade e em qualquer época. Sempre andou de mãos dadas com a fome, a peste e a morte, os outros cavaleiros do Apocalipse. Mas as guerras têm uma outra face: serviram a economia, e, paradoxalmente, trouxeram mais segurança à humanidade. Com efeito, as guerras funcionam nas sociedades como as infeções num organismo vivo. Elas provocam o aparecimento de anticorpos, aumentam as defesas do organismo infetado e acabam por protegê-lo contra novas infeções. Também as guerras provocam o aparecimento de leis e formas de organização com o objetivo de evitar novas guerras. A criação da Sociedade das Nações no final da I Guerra Mundial, da ONU, após a II Guerra Mundial, e até mesmo o ideal subjacente à União Europeia são a prova disso. O mundo é hoje mais seguro do que era no passado. Nunca foi tão baixa a probabilidade de um ser humano morrer de morte violenta. Só a guerra nos faz amar a paz, da mesma forma que só a doença nos faz aspirar à saúde.
Nos dias de hoje, as tensões voltam a acumular-se. A luta pelas fontes energéticas do Médio Oriente, o fundamentalismo religioso que alimenta o terrorismo, as pressões demográficas que provocam migrações em massa, a crise financeira que se desenha no horizonte, como consequência do anémico crescimento económico, são sinais perturbadores. No entanto, muita coisa mudou no último século. Um confronto direto entre potências nucleares não é possível, pois tal, a acontecer, seria uma guerra sem vencedores. Os Estados Unidos, que no pós guerra, se envolveram em guerra na Coreia, no Vietnam e no Iraque, optam hoje por uma estratégia de não envolvimento direto nas operações terrestres -"no boots on ground" , deixando essa tarefa para outros. Nos países do Ocidente já não existe a motivação do patriotismo nem religiosa para fazer guerras. Combate-se por dinheiro e o salário dos combatentes está associado ao risco da sua intervenção. E, apesar disso, muitos começam a acreditar que só uma guerra - a guerra que não pode existir!- virá libertar as tensões e trazer uma nova ordem política económica e social. Um dilema angustiante...
Faz agora precisamente 100 anos que a Europa estava em estado de guerra. As tropas do Corpo Expedicionário Português aprontavam-se em Tancos para partirem para França. Iam participar numa guerra que não era a sua e sobre a qual nada sabiam. A maior parte das praças vinha das áreas rurais do mais profundo de Portugal, sobretudo das regiões mais populosas do Minho, de Trás-os-Montes e das Beiras. Depois de muita discussão e de muita hesitação Portugal acabava por entrar na guerra ao lado da Entente Cordiale, integrado na organização militar inglesa a combater na frente da Flandres. A I Guerra Mundial foi devastadora. Terminou sem um um claro vencedor. A Alemanha foi condenada ao pagamento de elevadas indemnizações aos vencedores, mas não houve responsabilização nem criminalização dos vencidos. Quando o armistício, que impunha condições que os alemães consideraram humilhantes, estava a ser assinado na carruagem de Compiègne começava a germinar a semente que viria a originar a II Guerra Mundial, ainda mais devastadora que a Primeira.
Acredito que esta guerra em dois atos foi a última guerra Global. Creio também que ela não poderia ter sido evitada. As tensões acumulavam-se por toda a Europa: O Império Austro-húngaro uma monarquia dual assente nas elites, formado em 1867, era uma estrutura anacrónica sobrevivente do antigo regime que enfrentava fortes sentimentos independentistas ou autonomistas dos muitos grupos étnicos: alemães, húngaros, checos, eslovacos, polacos, ucranianos, eslovenos, sérvios, croatas, romenos e italianos; a Alemanha e a Itália unificadas no final do século XIX procuravam afirmar-se como novas potências; o Império Otomana estava em desagregação; a Rússia czarista alimentava o sonho de um grande Império eslavo; a França, que ainda não se tinha recomposto das derrotas de Waterloo e da guerra Franco-Prussiana, queria desforrar-se. À Inglaterra, senhora de um vaso império, não interessava a guerra, mas tinha de a enfrentar se ela se desencadeasse. A revolução industrial estava a mudar o mundo. Já se sabia que o petróleo - que não existia na Europa - seria o motor da economia, e todos olhavam para o Mar Cáspio e para o Médio Oriente como áreas estratégicas. Os Estados Unidos, distantes, ainda estavam adormecidos e não tinham ambições de dominar o mundo. A agricultura estava a dar lugar à fábrica e as elites ligadas à posse da terra estavam a ser substituídas pelas novas elites do poder industrial. Por tudo o que se disse, na ausência de um forum moderador, a guerra era inevitável. Faltava o rastilho, que surgiu em Serajevo no dia 28 de junho de 1914, com os assassinatos do arquiduque Francisco Fernando e da sua esposa Sofia
A guerra foi um flagelo em qualquer sociedade e em qualquer época. Sempre andou de mãos dadas com a fome, a peste e a morte, os outros cavaleiros do Apocalipse. Mas as guerras têm uma outra face: serviram a economia, e, paradoxalmente, trouxeram mais segurança à humanidade. Com efeito, as guerras funcionam nas sociedades como as infeções num organismo vivo. Elas provocam o aparecimento de anticorpos, aumentam as defesas do organismo infetado e acabam por protegê-lo contra novas infeções. Também as guerras provocam o aparecimento de leis e formas de organização com o objetivo de evitar novas guerras. A criação da Sociedade das Nações no final da I Guerra Mundial, da ONU, após a II Guerra Mundial, e até mesmo o ideal subjacente à União Europeia são a prova disso. O mundo é hoje mais seguro do que era no passado. Nunca foi tão baixa a probabilidade de um ser humano morrer de morte violenta. Só a guerra nos faz amar a paz, da mesma forma que só a doença nos faz aspirar à saúde.
Nos dias de hoje, as tensões voltam a acumular-se. A luta pelas fontes energéticas do Médio Oriente, o fundamentalismo religioso que alimenta o terrorismo, as pressões demográficas que provocam migrações em massa, a crise financeira que se desenha no horizonte, como consequência do anémico crescimento económico, são sinais perturbadores. No entanto, muita coisa mudou no último século. Um confronto direto entre potências nucleares não é possível, pois tal, a acontecer, seria uma guerra sem vencedores. Os Estados Unidos, que no pós guerra, se envolveram em guerra na Coreia, no Vietnam e no Iraque, optam hoje por uma estratégia de não envolvimento direto nas operações terrestres -"no boots on ground" , deixando essa tarefa para outros. Nos países do Ocidente já não existe a motivação do patriotismo nem religiosa para fazer guerras. Combate-se por dinheiro e o salário dos combatentes está associado ao risco da sua intervenção. E, apesar disso, muitos começam a acreditar que só uma guerra - a guerra que não pode existir!- virá libertar as tensões e trazer uma nova ordem política económica e social. Um dilema angustiante...
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Europa: as duas faces da moeda
Desta vez, o debate sobre a Europa aconteceu na Sociedade de Geografia de Lisboa. Sob o tema "A Europa na encruzilhada: o futuro do Euro", discutia-se o futuro da Europa e em particular da moeda única. Como intervenientes, os economistas João Ferreira do Amaral e Fernando Teixeira Santos – uma espécie de prós e contras sobre qual deverá ser a futura posição portuguesa relativamente ao Euro. A assistir estariam umas trinta pessoas, a maioria delas com aparência de reformados, pareceu-me estarem por ali ex-embaixadores, ex-professores, ex-militares... A sala, a assistência, o ambiente e a própria instituição que acolhia o evento sugeriam um tristonho quadro de decadência. Contudo, tendo em conta a qualidade dos palestrantes, a sessão prometia.
A abrir, o moderador deu a palavra a João Ferreira do Amaral - por ser mais polémico, frisou. Para o economista, a construção da Europa divide-se em dois períodos completamente diferentes que, por sua vez, refletem duas realidades políticas muito distintas: o período que vai desde o Tratado de Roma (1958) até Maastricht (1993) - que designou por período das comunidades - e o período desde Maastricht até ao presente - o período da união económica e monetária. Foi a criação da moeda única - um erro, segundo ele - que alterou os equilíbrios, permitindo o aparecimento da Alemanha como potência económica dominante. Ora, isto em nada contribuiu para tornar a Europa mais coesa; antes pelo contrário, serviu apenas para reduzir o anterior espírito de coesão. E não deu perspectivas de futuro a ninguém. Agora, chegou-se a uma encruzilhada e torna-se necessário tomar opções para escolher o caminho a seguir. A questão coloca-se nestes termos simples: esta união é reformável ou deve ser substituída? Ferreira do Amaral acha que não é reformável, pois um dos pilares da união que saiu de Maastricht - a união monetária - não funciona nem nunca poderá vir a funcionar.
E acrescentou que, logo na origem, já estavam evidenciadas as contradições: o espaço europeu é muito diferenciado, porque existem países muito competitivos ao lado de outros pouco competitivos. Ora, isso não foi resolvido com a criação da união monetária, logo, os problemas das economias menos competitivas agravaram-se. Desde a primeira hora adivinhava-se: haveria países perdedores e Portugal estaria desse lado . Os fundos estruturais que foram criados para compensar os países menos competitivos não deram o resultado desejado. Como consequência disso, a situação dos países perdedores é agora mais grave do que era em 1993, e o tratado orçamental não veio resolver a situação.
O que impede a União Europeia de reformar-se, na opinião de Ferreira do Amaral, é o facto de países como Portugal não disporem de instrumentos financeiros adequados para resolver os seus problemas: não têm autonomia monetária e estão condicionados em termos orçamentais. Enquanto país, compara Portugal com o nosso Interior, enquanto região. Na Europa, Portugal está condenado a empobrecer e terá o mesmo destino que o interior de Portugal... Como poderão ser criados mecanismos para estas zonas se desenvolverem? Não é, como já se viu, encharcando a economia com fundos estruturais. Também não será pela solidariedade, pois, nesse aspeto, estamos agora pior do que estávamos há vinte anos atrás. O projeto federal, por não reunir apoios suficientes, também não é solução. Porque, em boa verdade, ninguém está interessado em perder para os outros. A existência de três blocos de países - países de leste, países mais desenvolvidos do centro e países do sul - com diferentes perspectivas, agrava ainda mais a situação.
Concluiu afirmando que, com as clivagens a acentuar-se, esta Europa já nem é uma garantia de paz. Por isso, a solução para a Europa tem de inspirar-se no espírito das comunidades vigente no primeiro período: um espaço de cooperação e não um Super Estado.
O antigo ministro das finanças, Fernando Teixeira Santos, que falou a seguir, começou por concordar que a Europa está numa encruzilhada, e que há dez anos foram postas a nu debilidades sérias no projeto para as quais urge encontrar uma resposta adequada. Mas, discorda dos que acham que a crise e a sua solução têm apenas a ver com finanças públicas. A Europa é mais de que um projeto financeiro, dado ter uma componente política que deve ser preservada, até porque - convém não ter a memória curta, sublinhou - o processo da criação da Europa foi a coisa mais importante que aconteceu no Velho Continente desde a Segunda Guerra Mundial.
O Euro quando foi criado não se preocupou com a convergência das economias. Pensou-se que bastaria controlar a taxa de inflação, as taxas de juro e a estabilidade financeira dos Estados; o resto viria naturalmente com a moeda única. Tal como uma mão invisível, acreditava-se que de forma automática a dinâmica económica iria corrigir as assimetrias entre países. A realidade foi outra: as diferenças que existiam em 93 (data do Tratado de Maastricht) não se reduziram.
E, passando a explicitar melhor o seu ponto de vista, disse que Portugal continua com a mais baixa produtividade dos 12 países iniciais do Euro. Dado que a prosperidade de uma economia depende do nível da produtividade, não resulta aumentar salários sem aumentar a produtividade. No nosso caso, tem especial relevância a competitividade externa, pois quando existe um deficit externo aumenta a dívida. A razão da nossa crise não é a gestão orçamental, mas sim esta fragilidade estrutural. E a competitividade externa só pode se conseguida por duas vias: manter os salários baixos – a nossa opção antes da entrada no Euro - ou conseguir melhorar a produtividade.
Durante anos, os mercados conviveram bem com a situação da dívida de países como Portugal. Mas, com a crise grega perceberam que a UE não tinha instrumentos para lidar com o rápido agravamento dessa dívida. Recordou que, em maio de 2010, não havia nenhum instrumento para isso, porque só mais tarde foi criado o mecanismo de estabilidade financeira. De tal forma, que os empréstimos do primeiro resgate à Grécia foram concedidos através de contratos bilaterias entre países, discutidos no âmbito do Ecofin.
Tornava-se evidente que faltava qualquer coisa na construção do Euro que o fragilizava. Ora, a razão dessa fragilidade prende-se com a existência de três "nãos" que suportaram o tratado de Maastricht: 1) não se previa a saída do euro 2) não se previa default e 3) não se previa a necessidade de resgate. Durante muito tempo, acreditou-se que era possível respeitar estes princípios. Contudo, a crise grega veio mostrar que as três premissas negativas, não podem coexistir e que, num país em situação de crise, a ocorrência de uma delas torna-se uma condição necessária para a superar: ou sai do Euro, ou há default, ou há resgate. Então, quando os mercados perceberam que o problema era mais sério do que aquilo que eles julgavam, as taxas de juro aplicadas à divida de cada país dispararam - antes eram praticamente iguais, diferiam apenas 20 pontos base, ou seja, 0,2% - e começaram a diferenciar-se.
Mas isto não tem que significar o fim do Euro para Portugal. Precisamos de equilibrar as nossas contas e reduzir o deficit, e essa necessidade coloca-se com ou sem Euro. Teixeira dos Santos acredita que isso até se consegue melhor com o Euro do que fora dele. Porque sem Euro, a receita teria de voltar a ser a mesma do passado, quando a desvalorização cambial funcionava como uma anestesia (uma droga) e não obrigava a melhorar (fazer o upgrade, nas suas palavras) a produtividade. Em sintonia com João Ferreira do Amaral, considerou que a salvação do Euro não tem de passar por uma solução federal, dado que não está reunido o consenso para tal, e defende também a necessidade de mais cooperação entre países membros da UE.
Por último, defendeu que a existência do mercado único, por si só, é essencial para a economia dos países europeus, mesmo para os países que não têm o Euro como moeda (e até para o UK, após o brexit). Tudo isto exige um quadro de maior partilha de risco, ou seja, com mais cooperação. Terminou com uma alusão ao plano Junkers de estímulo à economia que acha insuficiente. Entende, sim, que a Alemanha deveria adotar uma política económica mais expansionista, porque só países com excedentes o podem fazer, recordando, a propósito, que os excedentes da Alemanha superam os da China.
Terminado o debate seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas que nada acrescentaram ao que antes tinha sido dito. Saí dali com uma convicção: Portugal, por sua iniciativa, nunca sairá da União Europeia ou da moeda única. Muitas vezes, não nos centramos nas soluções, andamos continuamente em círculos à volta destes problemas - fazendo e desfazendo ao sabor das maiorias que se constituem - e tardamos em definir uma estratégia coerente e consistente que nos oriente. Ora, isso só pode ser conseguido com o alargado compromisso que pode resultar de um diálogo construtivo ao centro.
A abrir, o moderador deu a palavra a João Ferreira do Amaral - por ser mais polémico, frisou. Para o economista, a construção da Europa divide-se em dois períodos completamente diferentes que, por sua vez, refletem duas realidades políticas muito distintas: o período que vai desde o Tratado de Roma (1958) até Maastricht (1993) - que designou por período das comunidades - e o período desde Maastricht até ao presente - o período da união económica e monetária. Foi a criação da moeda única - um erro, segundo ele - que alterou os equilíbrios, permitindo o aparecimento da Alemanha como potência económica dominante. Ora, isto em nada contribuiu para tornar a Europa mais coesa; antes pelo contrário, serviu apenas para reduzir o anterior espírito de coesão. E não deu perspectivas de futuro a ninguém. Agora, chegou-se a uma encruzilhada e torna-se necessário tomar opções para escolher o caminho a seguir. A questão coloca-se nestes termos simples: esta união é reformável ou deve ser substituída? Ferreira do Amaral acha que não é reformável, pois um dos pilares da união que saiu de Maastricht - a união monetária - não funciona nem nunca poderá vir a funcionar.
E acrescentou que, logo na origem, já estavam evidenciadas as contradições: o espaço europeu é muito diferenciado, porque existem países muito competitivos ao lado de outros pouco competitivos. Ora, isso não foi resolvido com a criação da união monetária, logo, os problemas das economias menos competitivas agravaram-se. Desde a primeira hora adivinhava-se: haveria países perdedores e Portugal estaria desse lado . Os fundos estruturais que foram criados para compensar os países menos competitivos não deram o resultado desejado. Como consequência disso, a situação dos países perdedores é agora mais grave do que era em 1993, e o tratado orçamental não veio resolver a situação.
O que impede a União Europeia de reformar-se, na opinião de Ferreira do Amaral, é o facto de países como Portugal não disporem de instrumentos financeiros adequados para resolver os seus problemas: não têm autonomia monetária e estão condicionados em termos orçamentais. Enquanto país, compara Portugal com o nosso Interior, enquanto região. Na Europa, Portugal está condenado a empobrecer e terá o mesmo destino que o interior de Portugal... Como poderão ser criados mecanismos para estas zonas se desenvolverem? Não é, como já se viu, encharcando a economia com fundos estruturais. Também não será pela solidariedade, pois, nesse aspeto, estamos agora pior do que estávamos há vinte anos atrás. O projeto federal, por não reunir apoios suficientes, também não é solução. Porque, em boa verdade, ninguém está interessado em perder para os outros. A existência de três blocos de países - países de leste, países mais desenvolvidos do centro e países do sul - com diferentes perspectivas, agrava ainda mais a situação.
Concluiu afirmando que, com as clivagens a acentuar-se, esta Europa já nem é uma garantia de paz. Por isso, a solução para a Europa tem de inspirar-se no espírito das comunidades vigente no primeiro período: um espaço de cooperação e não um Super Estado.
O antigo ministro das finanças, Fernando Teixeira Santos, que falou a seguir, começou por concordar que a Europa está numa encruzilhada, e que há dez anos foram postas a nu debilidades sérias no projeto para as quais urge encontrar uma resposta adequada. Mas, discorda dos que acham que a crise e a sua solução têm apenas a ver com finanças públicas. A Europa é mais de que um projeto financeiro, dado ter uma componente política que deve ser preservada, até porque - convém não ter a memória curta, sublinhou - o processo da criação da Europa foi a coisa mais importante que aconteceu no Velho Continente desde a Segunda Guerra Mundial.
O Euro quando foi criado não se preocupou com a convergência das economias. Pensou-se que bastaria controlar a taxa de inflação, as taxas de juro e a estabilidade financeira dos Estados; o resto viria naturalmente com a moeda única. Tal como uma mão invisível, acreditava-se que de forma automática a dinâmica económica iria corrigir as assimetrias entre países. A realidade foi outra: as diferenças que existiam em 93 (data do Tratado de Maastricht) não se reduziram.
E, passando a explicitar melhor o seu ponto de vista, disse que Portugal continua com a mais baixa produtividade dos 12 países iniciais do Euro. Dado que a prosperidade de uma economia depende do nível da produtividade, não resulta aumentar salários sem aumentar a produtividade. No nosso caso, tem especial relevância a competitividade externa, pois quando existe um deficit externo aumenta a dívida. A razão da nossa crise não é a gestão orçamental, mas sim esta fragilidade estrutural. E a competitividade externa só pode se conseguida por duas vias: manter os salários baixos – a nossa opção antes da entrada no Euro - ou conseguir melhorar a produtividade.
Durante anos, os mercados conviveram bem com a situação da dívida de países como Portugal. Mas, com a crise grega perceberam que a UE não tinha instrumentos para lidar com o rápido agravamento dessa dívida. Recordou que, em maio de 2010, não havia nenhum instrumento para isso, porque só mais tarde foi criado o mecanismo de estabilidade financeira. De tal forma, que os empréstimos do primeiro resgate à Grécia foram concedidos através de contratos bilaterias entre países, discutidos no âmbito do Ecofin.
Tornava-se evidente que faltava qualquer coisa na construção do Euro que o fragilizava. Ora, a razão dessa fragilidade prende-se com a existência de três "nãos" que suportaram o tratado de Maastricht: 1) não se previa a saída do euro 2) não se previa default e 3) não se previa a necessidade de resgate. Durante muito tempo, acreditou-se que era possível respeitar estes princípios. Contudo, a crise grega veio mostrar que as três premissas negativas, não podem coexistir e que, num país em situação de crise, a ocorrência de uma delas torna-se uma condição necessária para a superar: ou sai do Euro, ou há default, ou há resgate. Então, quando os mercados perceberam que o problema era mais sério do que aquilo que eles julgavam, as taxas de juro aplicadas à divida de cada país dispararam - antes eram praticamente iguais, diferiam apenas 20 pontos base, ou seja, 0,2% - e começaram a diferenciar-se.
Mas isto não tem que significar o fim do Euro para Portugal. Precisamos de equilibrar as nossas contas e reduzir o deficit, e essa necessidade coloca-se com ou sem Euro. Teixeira dos Santos acredita que isso até se consegue melhor com o Euro do que fora dele. Porque sem Euro, a receita teria de voltar a ser a mesma do passado, quando a desvalorização cambial funcionava como uma anestesia (uma droga) e não obrigava a melhorar (fazer o upgrade, nas suas palavras) a produtividade. Em sintonia com João Ferreira do Amaral, considerou que a salvação do Euro não tem de passar por uma solução federal, dado que não está reunido o consenso para tal, e defende também a necessidade de mais cooperação entre países membros da UE.
Por último, defendeu que a existência do mercado único, por si só, é essencial para a economia dos países europeus, mesmo para os países que não têm o Euro como moeda (e até para o UK, após o brexit). Tudo isto exige um quadro de maior partilha de risco, ou seja, com mais cooperação. Terminou com uma alusão ao plano Junkers de estímulo à economia que acha insuficiente. Entende, sim, que a Alemanha deveria adotar uma política económica mais expansionista, porque só países com excedentes o podem fazer, recordando, a propósito, que os excedentes da Alemanha superam os da China.
Terminado o debate seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas que nada acrescentaram ao que antes tinha sido dito. Saí dali com uma convicção: Portugal, por sua iniciativa, nunca sairá da União Europeia ou da moeda única. Muitas vezes, não nos centramos nas soluções, andamos continuamente em círculos à volta destes problemas - fazendo e desfazendo ao sabor das maiorias que se constituem - e tardamos em definir uma estratégia coerente e consistente que nos oriente. Ora, isso só pode ser conseguido com o alargado compromisso que pode resultar de um diálogo construtivo ao centro.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Amanhã
O filme-documentário "Amanhã" (em francês, Demain), realizado em 2015 por Mélanie Laurent e Cyril Dion, passou praticamente desapercebido numa sala de Lisboa. No entanto, trata-se de um importante trabalho que revisita e muito ajuda a entender o conceito de Transição. A tese é conhecida: o mundo da globalização - urbano, superpovoado, ávido de crescimento, sustentado por uma economia poluidora e predadora de recursos - não tem futuro. O sistema financeiro, baseado no crédito e na exigência de crescimento contínuo e ilimitado, é frágil. A economia, que tudo comanda, criou a sociedade consumista, a uniformização dos gostos, a cultura do desperdício, as monoculturas agrícolas. Os políticos entretêm-se com os jogos de poder de curto prazo e perdem de vista o essencial. A ciência e a tecnologia, interferindo com a procriação, prolongando artificialmente a vida, virtualizando as relações sociais, escravizando-nos a uma dependência de redes informáticas e de comunicações cada vez mais complexas, só estão a contribuir para acelerar o processo de decadência civilizacional. Os agentes dos meios de comunicação social sofrem de cegueira crónica relativamente a este estado de coisas, pois servem o sistema que lhes paga os ordenados no final do mês. Estamo-nos a aproximar vertiginosamente do colapso. Fala-se de décadas; não de séculos. Entretanto, as tensões acumulam-se na frente da economia que se defronta com os limites naturais ao crescimento e com as graves consequências dos efeitos poluidores - é o caso das alterações climáticas. O Médio Oriente, onde se encontram dois terços das reservas de combustíveis fósseis - apesar dos avanços no aproveitamento do sol e do vento, a energia fóssil continua a ser o motor da economia -, é palco de uma guerra sem fim onde se confrontam os interesses das grandes potências: EUA/Europa, Rússia e China. No curto prazo, os elos mais vulneráveis do periclitante equilíbrio mundial são o sector financeiro, os conflitos regionais, as tensões migratórias e as ameaças terroristas.
O filme vem dizer-nos que existe um caminho alternativo, e repete muito do que, nos últimos anos, se tem escrito sobre o tema (Rob Hopkins, Tim Jackson, Serge Latouche, etc.). A novidade está na forma sistemática como o tema é tratado e na profusão dos exemplos apresentados. São já muitas as pessoas reais que estão a viver experiências de transição na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Índia, na Finlândia... Muitas das ideias que o filme nos apresenta foram semeadas na última dezena de anos: falo, por exemplo, da experiência de Totnes, das iniciativas locais de transição um pouco por toda a parte - incluindo Portugal -, das hortas urbanas, da rápida tomada de consciência das opções alimentares - favorecendo os vegetais em detrimento das proteínas animais -, da adoção de criar uma moeda local, da reutilização dos resíduos urbanos, etc... É certo que muita coisa falhou, que houve muita ingenuidade, que se cometeram muitos erros... Agora, ao ver este filme, estamos perante a evidência de que as sementes frutificaram. E começa já a consolidar-se e a generalizar-se a convicção de que este é o único caminho para evitar o colapso e assegurar a prosperidade da raça humana.
O filme conclui que é urgente arrepiar o caminho da globalização, abandonar a sociedade consumista, reformar o sistema financeiro, relocalizar a produção, reciclar matérias primas, evitar os desperdícios, alterar os hábitos alimentares, reduzir a mobilidade, estabelecer formas de cooperação, voltar a usar as mãos; adoptar um modo de vida mais simples e mais próximo da terra - afinal as leis de Gaia sobrepõem-se às leis dos homens . Em suma, respeitar a natureza e privilegiar o ser em detrimento do ter.
Para conseguir isto precisamos de mudar de economia. Porque a Transição é voltar a recuperar o primado da política sobre a economia. Uma política que terá de ser feita por homens mais capazes, mais solidários, menos corruptos. Um dia irá pôr-se em causa a democracia como sistema - quando se demonstrar que o discurso dos políticos, por ser muitas vezes baseado na mentira, não serve o bem comum. Regressamos ao argumento de Platão contra os sofistas: se a democracia permite usar a mentira para eleger os nossos governantes, então a democracia não serve. A democracia só terá lugar na nova sociedade se for capaz de basear-se na verdade e no conhecimento (o espistemé),e de expurgar a mentira e a falácia (a doxa) do discurso dos políticos
Na parte final, o filme releva o papel da educação para singrar no caminho da Transição. E exibe o exemplo da Finlândia onde se pratica uma educação mais livre, mais multidisciplinar, em que o professor se aproxima do aluno, em que não existe um sistema que classifica as escolas e impele à competição, onde a escola é mais autónoma, mais criativa e os alunos reaprendem a trabalhar com as mãos. Mudar um sistema educativo demora muito tempo. Vinte anos foi o tempo necessário no caso finlandês. Fiquei a saber, ainda, que na Finlândia não se avaliam escolas, e que o sistema educacional está blindado contra as mudanças introduzidas pela alternância partidária no poder.
É preciso acreditar que nada está perdido. O pessimismo das previsões não deve sobrepor-se ao otimismo indispensável à ação.
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Europa: o Encanto e o Desencanto
Na semana passada, ao falar no Grémio Literário, na abertura da nova temporada das conferências que esta Associação promove em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Clube Português de Imprensa, Freitas do Amaral, logo a abrir a sua intervenção, e referindo-se ao seu longo percurso como líder partidário e governante, considerou ter valido a pena o combate político travado nos anos que se seguiram ao 25 de Abril. Nessa altura, e segundo ele, foi a luta travada na rua que enraizou os quatro grandes partidos da cena política portuguesa, o que não se verificou noutros países, como foi, nomeadamente, o caso da vizinha Espanha.
Mas o tema da palestra era a Europa- "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", e o professor, de imediato, centrou-se nele. O projeto europeu nascido em 1958, com a assinatura do Tratado de Roma, foi, na sua opinião, um dos mais brilhantes e bem sucedidos da história das nações: uma construção pacífica e voluntária, inspirada na ideia alemã da economia social de mercado. Ao longo dos quase sessenta anos da sua existência, a Europa, assim construída, foi fazendo o seu caminho como união politica, económica e monetária. Falando a uma só voz, cedo se impôs na cena internacional, ao intervir nos conflitos como um elemento moderador na procura de construir pontes e consensos. Para Portugal, depois de encerrado o ciclo africano, a adesão à Europa era o seu destino natural. Por um lado, era a garantia de democracia e, por outro, a promessa de apoio ao desenvolvimento de que tanto precisávamos. Durante 25 anos tudo correu bem. Foi um período brilhante: Portugal encurtou em 50% a distância que o separava da Europa...
No entanto, esse sucesso foi interrompido com a grande crise de 2008 nascida na América. Uma crise que em amplitude terá superado a crise económica dos anos trinta do século passado. Mencionou as hesitações iniciais nos primeiros meses da crise, em que a política económica da Europa começou por ser expansionista, do tipo keynesiano, mas que rapidamente foi invertida para a austeridade imposta pela Alemanha - mal, acha ele -, argumentando que os Estados Unidos mantiveram essa política e cresceram, ao invés da Europa que, em contrapartida, tem tido nos últimos anos um crescimento anémico. Referiu-se ainda à cegueira ideológica dos governantes, ao acrescentar que a Europa não percebeu o problema: primeiro, da Grécia, e depois de Portugal e da Irlanda, e que não soube encontrar a resposta adequada para o drama dos refugiados. A este propósito, disse que ninguém cumpre o sistema de quotas, dando como exemplo o caso aberrante da Dinamarca, cujo parlamento aprovou por unanimidade uma lei que confisca os bens dos refugiados à entrada no país!
Nós fizemos o nosso ajustamento e isso teve custos elevados. Considera que se foi longe de mais na subserviência e que, atualmente, vivemos num "colete de gesso". Referiu-se ainda à ameaça de sanções com base num tratado - o Tratado Orçamental - que, na opinião dele, não tem valor jurídico, já que não foi aprovado por todos os países da União e não constitui, por isso, uma peça do direito comunitário.
A Europa, agora, está numa encruzilhada: ou resolve os seus problemas e responde aos desafios que tem pela frente ou desagrega-se. Os problemas colocam-se no curto prazo e são muitos os desafios: a resposta ao brexit que tem de ser bem negociada, não podendo ser um divórcio litigioso; a necessidade de uma nova política económica, pois é preciso alguém, da dimensão de um Charles de Gaulle, capaz de dar um rumo na mesa; a necessidade de fazer renascer o princípio da solidariedade - os países mais ricos têm de investir e apoiar os países mais pobres. Advoga a urgência de uma visão de longo prazo e da definição de uma estratégia a nível mundial, referindo, como exemplo, uma eventual parceria com a Rússia. A este respeito, considera que o Ocidente agiu mal no caso da Crimeia, que sempre pertenceu à Rússia, e tem para este país um valor estratégico e militar que não lhe deixava alternativa. No entanto, Freitas do Amaral não prevê grandes alterações na Europa nos próximos dois anos, ou seja, antes das eleições na Alemanha e na França, e que podem trazer novos atores e nova política à sua governação.
Nestas condições, o que pode fazer Portugal? Nós temos os nossos problemas e de olhar para eles: prestar uma redobrada atenção ao frágil sistema bancário, reduzir a dívida e a despesa pública, cujo crescimento está, desde há muito, desajustado do crescimento do PIB. Deveríamos baixar o IRC às empresas para captar mais investimento estrangeiro. Sobretudo, urge trazer bom investimento da Europa para Portugal - explica que três ou quatro "Auto-Europas" resolveriam os nossos problemas. E porque não, pôr os nossos ex-governantes a trabalhar para isso? Temos de pensar Portugal com uma certa grandeza; definir uma estratégia que não temos. O mundo está à nossa espera, mas precisamos de iniciativa... A terminar a sua intervenção, Freitas do Amaral citou de Gaulle. "A guerra é um pesadelo e a Europa é um sonho de sábios". Mas reconheceu que o futuro não está escrito em parte nenhuma.
Mais de que um político ou um economista foi um jurista, preocupado com questões sociais, que veio falar ao Grémio. Como ali lembrou alguém, um homem que participou como espectador e ator privilegiado da história recente de Portugal. Saí do Grémio com a angústia da incerteza que paira sobre o futuro da nossa casa comum. Com dúvidas sobre a possibilidade do aparecimento de um homem providencial que - mesmo com murro na mesa – reconduza o barco para a rota desejada. Foi Charles de Gaulle que disse "todas as doutrinas, todas as escolas e todas as revoltas só têm um tempo". A Europa, como conceito ou doutrina, se preferirem, teve o seu tempo de encanto e vive agora o seu tempo de desencanto. Regressar ao encanto é o que todos desejamos. Mas, num contexto internacional tão complexo - nos planos político, económico, social e até climatérico! -, isso não dependerá apenas dos homens que governam e decidem na Europa.
Mas o tema da palestra era a Europa- "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", e o professor, de imediato, centrou-se nele. O projeto europeu nascido em 1958, com a assinatura do Tratado de Roma, foi, na sua opinião, um dos mais brilhantes e bem sucedidos da história das nações: uma construção pacífica e voluntária, inspirada na ideia alemã da economia social de mercado. Ao longo dos quase sessenta anos da sua existência, a Europa, assim construída, foi fazendo o seu caminho como união politica, económica e monetária. Falando a uma só voz, cedo se impôs na cena internacional, ao intervir nos conflitos como um elemento moderador na procura de construir pontes e consensos. Para Portugal, depois de encerrado o ciclo africano, a adesão à Europa era o seu destino natural. Por um lado, era a garantia de democracia e, por outro, a promessa de apoio ao desenvolvimento de que tanto precisávamos. Durante 25 anos tudo correu bem. Foi um período brilhante: Portugal encurtou em 50% a distância que o separava da Europa...
No entanto, esse sucesso foi interrompido com a grande crise de 2008 nascida na América. Uma crise que em amplitude terá superado a crise económica dos anos trinta do século passado. Mencionou as hesitações iniciais nos primeiros meses da crise, em que a política económica da Europa começou por ser expansionista, do tipo keynesiano, mas que rapidamente foi invertida para a austeridade imposta pela Alemanha - mal, acha ele -, argumentando que os Estados Unidos mantiveram essa política e cresceram, ao invés da Europa que, em contrapartida, tem tido nos últimos anos um crescimento anémico. Referiu-se ainda à cegueira ideológica dos governantes, ao acrescentar que a Europa não percebeu o problema: primeiro, da Grécia, e depois de Portugal e da Irlanda, e que não soube encontrar a resposta adequada para o drama dos refugiados. A este propósito, disse que ninguém cumpre o sistema de quotas, dando como exemplo o caso aberrante da Dinamarca, cujo parlamento aprovou por unanimidade uma lei que confisca os bens dos refugiados à entrada no país!
Nós fizemos o nosso ajustamento e isso teve custos elevados. Considera que se foi longe de mais na subserviência e que, atualmente, vivemos num "colete de gesso". Referiu-se ainda à ameaça de sanções com base num tratado - o Tratado Orçamental - que, na opinião dele, não tem valor jurídico, já que não foi aprovado por todos os países da União e não constitui, por isso, uma peça do direito comunitário.
A Europa, agora, está numa encruzilhada: ou resolve os seus problemas e responde aos desafios que tem pela frente ou desagrega-se. Os problemas colocam-se no curto prazo e são muitos os desafios: a resposta ao brexit que tem de ser bem negociada, não podendo ser um divórcio litigioso; a necessidade de uma nova política económica, pois é preciso alguém, da dimensão de um Charles de Gaulle, capaz de dar um rumo na mesa; a necessidade de fazer renascer o princípio da solidariedade - os países mais ricos têm de investir e apoiar os países mais pobres. Advoga a urgência de uma visão de longo prazo e da definição de uma estratégia a nível mundial, referindo, como exemplo, uma eventual parceria com a Rússia. A este respeito, considera que o Ocidente agiu mal no caso da Crimeia, que sempre pertenceu à Rússia, e tem para este país um valor estratégico e militar que não lhe deixava alternativa. No entanto, Freitas do Amaral não prevê grandes alterações na Europa nos próximos dois anos, ou seja, antes das eleições na Alemanha e na França, e que podem trazer novos atores e nova política à sua governação.
Nestas condições, o que pode fazer Portugal? Nós temos os nossos problemas e de olhar para eles: prestar uma redobrada atenção ao frágil sistema bancário, reduzir a dívida e a despesa pública, cujo crescimento está, desde há muito, desajustado do crescimento do PIB. Deveríamos baixar o IRC às empresas para captar mais investimento estrangeiro. Sobretudo, urge trazer bom investimento da Europa para Portugal - explica que três ou quatro "Auto-Europas" resolveriam os nossos problemas. E porque não, pôr os nossos ex-governantes a trabalhar para isso? Temos de pensar Portugal com uma certa grandeza; definir uma estratégia que não temos. O mundo está à nossa espera, mas precisamos de iniciativa... A terminar a sua intervenção, Freitas do Amaral citou de Gaulle. "A guerra é um pesadelo e a Europa é um sonho de sábios". Mas reconheceu que o futuro não está escrito em parte nenhuma.
Mais de que um político ou um economista foi um jurista, preocupado com questões sociais, que veio falar ao Grémio. Como ali lembrou alguém, um homem que participou como espectador e ator privilegiado da história recente de Portugal. Saí do Grémio com a angústia da incerteza que paira sobre o futuro da nossa casa comum. Com dúvidas sobre a possibilidade do aparecimento de um homem providencial que - mesmo com murro na mesa – reconduza o barco para a rota desejada. Foi Charles de Gaulle que disse "todas as doutrinas, todas as escolas e todas as revoltas só têm um tempo". A Europa, como conceito ou doutrina, se preferirem, teve o seu tempo de encanto e vive agora o seu tempo de desencanto. Regressar ao encanto é o que todos desejamos. Mas, num contexto internacional tão complexo - nos planos político, económico, social e até climatérico! -, isso não dependerá apenas dos homens que governam e decidem na Europa.
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