Eu vivi um ano intenso da minha adolescência no Porto. Foi no meu primeiro ano da Universidade, na Faculdade de Ciências, e fiquei, por esse motivo, ligado afectivamente a esta cidade: gosto do Porto, gosto da gente do Norte e da sua pronúncia, dos cafés e das confeitarias cornucopianas. Gosto das suas lojas, e da simpatia do atendimento do seu pessoal. E até gosto da arquitectura pesada e granítica de alguns dos seus edifícios. Por isso, volto ao Porto sempre com agrado, como aconteceu, na semana passada, quando fui participar na conferência Glocal 2010. E aproveitei para vadiar, descontraidamente, pelas suas velhas ruas.
Eu lembro-me das ruas da baixa portuense, de outros tempos, com os seus armazéns fartos e o seu comércio florescente. Desta vez, encontrei ruas tristonhas e deprimidas, muitas lojas fechadas com cartazes de "vende-se" e "trespassa-se", muitos prédios abandonados e decadentes. Algumas lojas tradicionais ainda resistem, como é o caso dum alfarrabista da Rua das Flores, com edições de velhos jornais de há cem anos na montra, a assinalar a implantação da República. Mas pressente-se que, a manter-se o modelo actual de desenvolvimento inspirado na globalização, não existe futuro para este comércio. Porque tal modelo, privilegia o Centro Comercial, em detrimento do velho comércio de proximidade.
A era do automóvel veio modificar o modo como se vivia nas cidades: despovoou o centro tradicional, empurrou o comércio para a periferia, e as pessoas para os subúrbios. Conviver com esta perniciosa realidade, numa sociedade com menos energia e menos mobilidade, vai ser um dos dramas das sociedades da era pós-carbono, e mitigar os seus efeitos será uma das tarefas da Transição.
Mas eu, hoje, quero falar da conferência Glocal 2010, que aconteceu nas instalações da Lipor, em Ermesinde, e contar um pouco do que lá vi. Sobretudo realçar as experiências que, a nível autárquico, ou por simples iniciativas de cidadãos, ali foram apresentadas. São exemplos que começam a proliferar, motivados pela preocupação de modificar o nosso insustentável modo de viver. Talvez por isso, a frase que mais se ouviu na conferência foi "desenvolvimento sustentável".
A experiência de Barcelona, apresentada por Francisco Cárdenas, mostrou-nos a utilização de soluções tecnológicas para promover um urbanismo mais humano, no qual o espaço público é devolvido aos cidadãos. Advogou o palestrante uma cidade com menos automóveis, e com corredores verdes para permitir a passagem das aves migratórias. Ocorre-me que esta aposta de Barcelona, a ser concretizada, será conseguida à custa de um acréscimo de complexidade na sua gestão, e isso vai ter um preço muito elevado. Resta saber (lembro-me das teorias de Tainter) se as vantagens que estas soluções aportam compensam os custos (energéticos, mas não só!) acrescidos de as pôr em prática.
A experiência que está a ser levada a cabo pelo Munícipio Cascais, apresentada, de forma estusiástica, por Joana Silva, ilustra bem quanto algumas autarquias já estão sensíveis a estes problemas. Foi apresentado o projecto "in loco 21" que está a ser implementado com sucesso. Falou-se de palestras, destinadas aos colaboradores da autarquia, inspiradoras de reflexão sobre a sustentabilidade.
Começam a surgir por toda a parte pessoas desinteressadas, cidadãos comuns atentos aos sinais das mudanças, que se interessam pelo tema. Eu próprio apresentei o projecto Rio Vivo, em S. Pedro do Rio Seco, apoiado pela Fundação Vox Populi. E inspiradas pelo modelo de Totnes, já existem em Portugal as primeiras iniciativas de transição, como é o caso de Paredes que muito me impressionou pelos entusiasmo com que foi apresentado. Tivemos ainda o privilégio de ouvir Jacqi Hodgson falar-nos de Totnes, cidade inglesa percursora destes movimentos.
Com a persistência da crise e com a incapacidade demonstrada por economistas, políticos e governantes para a debelar, pouco a pouco, as pessoas começam a dar-se conta de que o mundo está a mudar de uma forma irreversível, e que esta não é uma crise como as outras. Começam a perceber e a acreditar que esta á a “crise mesmo”, e começam a olhar de forma diferente para o futuro. E muitos, sem esperar que algo de pior aconteça, começam a querer moldá-lo com as suas próprias mãos. Está a ser assim em Paredes, em Pombal, e poderá ser assim no bairro de Telheiras, em Lisboa, onde jovens entusiastas se dispõem a percorrer o caminho difícil mas promissor da Transição.
Pensar global, agir local?. Houve quem propusesse a inversão dos termos desta asserção, e sugerisse: “Pensar local, agir global”. Vivemos num mundo global acelerando vertiginosamente para a sua última fronteira, e o colapso (se ocorrer, ou quando ocorrer!) será global. Mas a reconstrução só pode ser local. É esta certeza que move os adeptos da Transição!
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