segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Colisão de Culturas

Neste Verão, o Miguel e mais três amigos rumaram a sul. Apanharam em Tarifa o ferry  para Tanger e foram de mochila às costas, usando os transportes públicos, descobrir Marrocos. Escusado será dizer que isso tinha de resultar numa aventura que os levou a Cefchaouen, a Fez e à famosa duna Erg Chebbi em Merzouga (considerada a porta do deserto do Sahara), muito perto da fronteira da Argélia e onde convivem gentes  das tribos tuaregues, beduínos, nómadas e berberes.

Miguel é um jovem generoso de 22 anos, e que se relaciona facilmente com as pessoas. Contou-me ele uma conversa que,  numa noite de lua cheia em que dormiam num acampamento em pleno deserto,  teve  com o guia tuareg Abdul. A certa altura, questionou ele os presentes, um a um, com a  seguinte pergunta : "Are you married?". Perante a resposta negativa de todos, o guia comenta com ar de espanto:  "Not  married!", e acrescenta:  "com essa idade ainda solteiro e sem filhos, vais ser um pai velho, e não poderás contar com os teus filhos para te ajudar" - E rematou : "Are you gay?"

Esta cena ilustra bem a diferença cultural entre as duas sociedades, a portuguesa e a marroquina, e, cuidadosamente explorada, pode resultar num tratado de economia comparada. Aos 22 anos um marroquino (falo da maioria da população) espera-o pela frente uma vida de trabalho, uma reduzida esperança de vida (que, nesta idade, não andará longe dos 50 anos). Muitos deles não saberão ler nem escrever, e já contribuem para a economia familiar desde muito tenra idade. Não sabem o que é o serviço nacional de saúde, não conhecem direitos laborais, e não têm a esperança de, um dia, vir a receber uma pensão de  reforma. De algum modo, os filhos são o seu seguro de vida.

A pergunta do tuareg tem lógica, no quadro que o rodeia, e nos seus pressupostos de vida. Mas para o Miguel e os seus amigos portugueses ela não faz nenhum sentido. Aos 22 anos um jovem português estará a terminar a faculdade, já viajou pelo mundo, tem carro desde os 18 anos, recebe uma mesada dos pais,  e terá frequentado erasmus em alguma cidade da Europa. A sua dependência dos pais e do estado foi, até esta idade, total. E as perspetivas de iniciar um trabalho a curto prazo são reduzidas. Por isso, ainda espera contar com os pais (admitindo que, felizmente, têm emprego ou recebem reforma!) durante mais alguns anos. Admitirá ter uma namorada, eventualmente viver juntos, mas casar e ter filhos não está nos seus planos de curto prazo!

A forma como a nossa sociedade prepara os jovens para a vida está desfocada em relação à realidade do país. E a presente crise veio mostrar ainda mais esse desajustamento. Dizia-me o Miguel, como forma de  justificar  esta diferença de comportamento, que os marroquinos estão 30 anos atrasados em relação a nós portugueses. Será de fato assim? Ou estaremos nós 30 anos mais próximos da insolvência social para o qual o mundo consumista e global nos está a arrastar?


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