segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fogo!

Julgo que os portugueses nunca gostaram de empresários, nem de gente que faz dos negócios o seu modo de vida. Em Lisboa, não conheço nome de rua a lembrar um empresário ou um comerciante.  Mas vejo por toda a parte placas toponímicas a homenagear políticos, militares, professores, escritores, músicos, poetas, pintores, atores, fadistas, futebolistas, etc... Nem conheço livros, nem filmes, nem sagas de empresários como, por exemplo, a da família Castorp na Montanha Mágica de Thomas Mann. Os homens dos romances do nosso grande Eça são filhos família, profissionais falhados como Basílio ou Carlos da Maia, fidalgotes inúteis como Gonçalo Mendes Ramires ou filósofos diletantes como Fradique. E a única vez que Eça elege um comerciante para figura central de uma história (o Alves de Alves & Companhia) é para o retratar como um manso cornudo!

Não espanta que as recentes medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro ministro (que tira aos trabalhadores e aos reformados, incluindo os políticos, para dar aos empresários!) tenham levantado uma onda de protestos oriundos de todos os quadrantes, de Louçã a Ferreira Leite, de Jerónimo a Bagão Felix, passando, é claro, por Soares e Freitas e Alegre. E, pela primeira vez, patrões e sindicatos fizeram coro na discordância das medidas adoptadas.

Os economistas das Escolas, da direita à esquerda, estão contra as medidas anunciadas por Passos, e falam de experimentalismo político.  Dificilmente poderíamos imaginar, nesta discordância, um consenso tão alargado. E esta generalizada oposição faz-me lembrar o vibrante 1º de maio de de 1974 quando Soares e Cunhal passearam de braço dado,  ou o ultimato inglês, de janeiro de 1890, quando uma onda de indignação varreu o país e a estátua de Camões foi vestida de luto. Isto dá que pensar...

Pela primeira vez um governo anuncia medidas que vão mexer com as pessoas (todas as pessoas!), e que vão obrigar a alterar comportamentos. Que acorda as mentes para uma realidade, e que nos mostra que a crise é mais séria do que se pensava. Parece ser um tratamento de choque de que ninguém estava à espera. A “negação” da realidade tinha-nos adormecido sobre a gravidade da situação, o Tribunal Constitucional, ao chumbar a supressão do mês de natal e do mês de férias para os funcionários públicos, parecia que tinha posto o governo em ordem. Mas, mais uma vez, a Política e a Economia não vão resolver os problemas que estão, desta vez, equacionados pelas leis da Física.

As medidas anunciadas traduzem apenas a expressão, e são consequência,  do empobrecimento real deste país, e o governo veio dizer-nos que temos de baixar de escalão. Passar a consumir menos e a trabalhar mais, deixar o clube dos ricos, voltar a ser o país pobre que nunca deixámos de ser...Contrariamente ao que muitos pensam, o consumo tem de baixar, pela simples razão de que um país não pode, de forma sustentada, consumir mais do que aquilo que produz. Retirar dinheiro ao consumo e injetá-lo na economia é um bom princípio, embora difícil de entender, e fácil de contrariar...

Podemos discordar das medidas de Passos Coelho, mas a verdade é que ninguém foi capaz de apresentar alternativas. E as alternativas, se as houver, produzirão efeitos muito semelhantes a estes. Estamos perante uma situação muito curiosa. Os políticos encartados não gostam de Passos Coelho e das suas medidas. O povo não gosta dos políticos. Será que o povo gosta de Passos Coelho? Ou temos Passos Coelho (quem diria?) a unir povo e políticos.   Se non è vero è ben trovato

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