Portugalmente é o titulo de um livro de autoria de Jorge Carvalheira, um velho companheiro do Liceu, com fotografias de Duarte Belo, que acaba de ser editado pela Âncora Editora em parceria com a Fundação Vox Populi. O lançamento ocorreu na Guarda, na minha cidade, no passado dia 28 de novembro. Eu, através da Fundação Vox populi, estive ligado à edição deste livro, e empenhei-me para que o resultado final correspondesse à qualidade da obra literária.
O autor percorre os caminhos da Beira Alta numa peregrinação que o leva das aldeias dos contrafortes orientais da Serra da Lapa até às terras fronteiriças de Ribacôa, por trilhos antigos e num percurso que faz lembrar o do Malhadinhas de Mestre Aquilino, um almocreve que vindo das
terras do demo na Lapa, um dia se aventurou com alma até Almeida, e se viu em
Vale de la Mula no coração de Ribacôa.
O livro transmite uma visão crítica, escrita com um sabor amargo e mordaz, por vezes irónico, sobre um retalho do Portugal mais autêntico de onde sobressai a "jóia" que é Trancoso, terra prenhe de "famas" como a do padre Costa com a sua prole (onde nem as irmãs nem a mãe escaparam à sua sanha fertilizadora), do Bandarra com as suas profecias, dos crimes de faca e alguidar, de revanchismos e ajustes de contas. Trancoso é a terra do famoso Ângelo da Peixeira de quem se contavam, no "prec" façanhas que incluíam rebentamentos de bombas e assaltos a sedes de partidos. Se houvesse uma máfia portuguesa ela radicaria, por certo, nestas terras pardas de giestas e de granito.
Nesta peregrinação da Lapa a Ribacôa vemos desfilar um Portugal destroçado que foi o resultado da nossa adesão à CEE, e que é espelho de vivências e experiências mal resolvidas, como foram a ditadura do Estado Novo, a guerra colonial, a emigração e a vinda dos retornados. É uma amostra regional mas que tem representatividade para o todo o norte interior, talvez mesmo para todo o território nacional rural. Aconselho vivamente a leitura deste livro, a qual permitirá ao leitor desfrutar da qualidade literária de um texto sobre cujo autor o escritor José Rentes de Carvalho, disse produzir da melhor prosa que se tem escrito na língua portuguesa.
Como nota que poderia servir de epílogo ao livro eu sou levado a refletir sobre a forma como podemos
portugalmente transformar este Portugal que
portugalmente desvirtuámos. Mudar Portugal para melhor é o desafio que temos pela frente. Às vezes tenho a impressão de que temos andado passivamente à espera de que nos digam o que fazer. Com a
tróika isso já está a acontecer. Possivelmente temos de o fazer de baixo para cima (
down-up), pois foi assim que Portugal nasceu e se fez nação. E foi também desta forma que numa outra crise de identidade nacional, a
arraia miúda, de que fala Fernão Lopes, assegurou a independencia, e abriu o caminho para a gesta da expansão.
Vamos meter mãos à obra. Vamos redescobrir as virtudes e capacidades que nos levaram a sulcar os mares e a construir novos países. Vamos valorizar o que de mais genuino temos em Portugal. Fechem-se os
bares e reabram-se as tabernas, ignoremos os
shoppings e voltemos às feiras, reinventemos o estanco, a drogaria, a estância, a merceria de bairro, o lugar da fruta, e voltemos a vibrar com as bandas e os zés pereiras das romarias e do cheiro a sardinha assada. E voltemos a amanhar a terra, e a lançar de novo as redes ao mar...
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