segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Fogo do Inferno


A notícia não podia ser pior. Prestes a ser engolido pelo fogo do Inferno, é a morte anunciada do Paraíso Terrestre de onde Deus expulsou Adão e Eva e que o homo digitalis julgava ter reconquistado. O relatório divulgado a semana passada pelo painel internacional de cientistas das Nações Unidas não deixa lugar a dúvidas: o homem, quer dizer, a economia está a interferir com o equilíbrio da hidrosfera e da atmosfera. E, com esta interferência, afeta a biosfera e a vida que ela integra. Conclusão: a atividade do homem está a pôr em causa o futuro da própria espécie humana.

O painel intergovernamental para o estudo das alterações climáticas (IPCC)  formado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelas Nações Unidas, é constituído por três grupos de trabalho. O relatório agora apresentado foi produzido pelo Grupo I  que se ocupa da análise dos apectos físicos e científicos relacionados com o clima e as suas alterações. O relatório foi elaborado por  209 cientistas de 39 países juntamente com 50 editores, e contou com a contribuição de mais 600 outros especialistas de 32 países. No primeiro semestre do próximo ano será publicado o relatório do Grupo II que analisará o impacto económico das alterações climáticas, e mais tarde, aparecerá o relatório do Gupo III que se ocupará das medidas a tomar para mitigar os efeitos dessas alterações climáticas

A grande conclusão do relatório do Grupo I é a seguinte: "O aquecimento  do sistema climatérico é inequívoco, e, desde 1950, as mudanças observadas não têm paralelo nas décadas e milénios precedentes. A atmosfera e os oceanos aqueceram, a queda de neve e a formação de gelo diminuíram, o nível do mar subiu, e as concentrações de gases de efeito de estufa aumentaram."

Não vou entrar em detalhes sobre este importante relatório. Ele pode ser consultado no site da organização. Destaco apenas outra grande conclusão que encerra uma velha discussão: "A influência do homem no sistema climático é clara. Isto resulta evidente do aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, do aumento do seu efeito radiante, do aquecimento observado, e da compreensão do sistema climático". Durante muito tempo, a relação entre a atividade humana e as alterações climáticas foi posta em causa. Argumentava-se que as alterações climáticas sempre ocorreram no planeta, e que não havia provas de que na atualidade elas seriam uma consequência da atividade do homem.

A Sustentabilidade exige que o consumo de recursos e as emissões poluentes se adaptem à capacidade do planeta para fazer a  reposição daqueles e fazer a  absorção destas, sem comprometer equilíbrios sensíveis. A Economia, por sua vez, fundamenta-se na lei da oferta e da procura e na maximização do lucro e ignora as exigências da sustentabilidade. O sistema financeiro (os mercados), baseado no crédito, exige crescimento económico continuo para não se  desmoronar, e está ao lado da economia contra a sustentabilidade. Estes três variáveis, sustentabilidade, economia e crédito integram um sistema de equações que não tem solução, pois o que uma exige as outras rejeitam.

Economia e Sustentabilidade estão, pois, em rota de colisão. Este relatório do IPCC mostra as evidências, e antecipa os danos que a economia está a causar ao planeta; dentro de meses, um outro relatório virá dizer-nos quais os efeitos negativos que esses danos estão a causar à economia. Estamos dentro de um círculo vicioso que só terá fim quando os danos recíprocos provocados num lado e noutro (no planeta e na economia!) forem irreversíveis.E, nessa altura, já não interessará descobrir o culpado.

O tema vai continuar a discutir-se nas conferências e cimeiras mundiais mas nada será decidido, porque as decisões a favor da sustentabilidade são contra a economia, e o curto prazo desta impõe-se sobre o longo prazo daquela. Nenhum país terá capacidade para impor a outros países decisões que afetem a sua produção, que reduzam o seu crescimento económico ou que belisquem os interesses dos seus mercados. Ninguém, a não ser os românticos europeus, irá tomar decisões unilaterais que, já se sabe, outros não tomarão. A Europa vai continuar a fazer o papel de agente bem comportado, e vai insistir em, a prazo, baixar em 20% as emissões de CO2.  E os europeus ficarão espantados por ver a China (onde as poluentes centrais termicas a carvão surgem como cogumelos!) poluir em 4 meses o que a Europa deixou, esforçadamente, de poluir numa dezena de anos. E, inundados com os produtos chineses, indignados com a crise e a falta de emprego, perguntarão eles se vale a pena o sacrifício.

E, em cada nova cimeira, o planeta estará mais quente. E isto faz lembrar a história do sapo dentro da panela a aquecer no lume brando. Só tarde demais se apercebe que a água ficou demasiado quente, e já não consegue saltar para fora da panela...

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