Fora do mundo industrializado, estavam em curso mudanças históricas, impensáveis trinta anos antes. Uma grande parte do então chamado terceiro mundo começou a libertar-se das potências administrantes. A Indonésia proclamou a independência da Holanda em agosto de 1945, dois dias após a rendição do Japão, a Índia tornou-se independente em 1947, a Indochina e a Argélia ascendem à independência depois de conflitos sangrentos com a França. Chegou a vez da África subsariana, onde a partir dos anos 60, as colónias francesas, inglesas e o Congo Belga proclamam a independência. O antigo mundo colonial estava a dar origem a um mundo novo ávido de aprender, de crescer e de se industrializar.
Apesar da famosa afirmação de Churchill, feita após a vitória dos aliados, que das ditaduras europeias não ficaria pedra sobre pedra, Portugal conseguiu manter, após 1945, um regime ditatorial obsoleto, sem liberdade, sem partidos políticos, com censura e com forte repressão. Acompanhado da Espanha, os dois países constituíam uma espécie de mundo à parte na Europa Ocidental. A economia portuguesa apoiava-se nas colónias que forneciam matérias primas e eram o destino de uma boa parte das suas exportações. As remessas dos emigrantes (que abandonavam a salto o país a caminho da Europa), o turismo, o protecionismo industrial e a entrada de multinacionais trouxeram algum progresso.
Quando, em 1961, os ventos da independência chegam às colónias portuguesas de África, o desafio que se colocou ao regime, pondo à prova a sua força e coesão foi saber qual a decisão a tomar. A opção pela guerra fez abrirem-se, num ápice, três frentes de combate em Angola, Moçambique e Guiné. O governo português ao tomar esta decisão acreditou poder manter um império colonial à portuguesa, pluricontinental e plurirracial (com o Brasil apontado como exemplo) . Os governantes terão admitido terem a seu favor o facto de poderem apresentar-se ao Ocidente como um bastião para conter o avanço comunista e, assim, obter o seu apoio. Mas a América, saída do pós guerra como o líder do mundo ocidental, sendo anti-comunista, era também anti-colonialista. A possibilidade de emergir na África Austral um bloco com relevância económica e enormes recursos, liderado pela África do Sul, terá pesado também na decisão de fazer a guerra.
Em 1974, Portugal estava já exaurido de recursos humanos e económicos para manter as três frentes da guerra colonial. A crise mundial de 1973, resultante do choque petrolífero provocado pelo embargo dos países da OPEP, só veio agravar a situação. Estava em ascensão, tanto no plano civil como militar, a geração que tinha nascido no pós guerra, que tinha vivido o maio de 68; ao mesmo tempo, estava a desaparecer a geração que tinha implantado e consolidado o regime e testemunhado os anos da guerra civil espanhola. No regime, desaparecida a figura tutelar, abriam-se fendas, e surgia a ala liberal. O isolamento internacional era sufocante. Portugal já não tinha aliados.
É certo que a guerra colonial não estava perdida no terreno, mas era cada vez mais evidente que não se podia vencer. O tempo e os ventos da história estavam contra nós. A causa estava perdida. O desfecho não podia ser outro: o sistema que atara o nó nunca mais o poderia desfazer. Alguém tinha de o fazer por ele. O dia da derrocada não estava marcado no calendário, mas o 25 de Abril estava inscrito na História. Nesse dia o regime velho de 48 anos caiu de podre, desfez-se, entregou-se sem luta, sem honra e sem dignidade. Portugal chegava à democracia com trinta anos de atraso.
Eu tinha 28 anos no 25 de Abril. Era a idade do sonho, da esperança e da generosidade. Inebriei-me com a explosão da Liberdade e assisti ao tempo do 25 de Abril na primeira fila. Depois da euforia, quando a poeira começou a assentar, decidi subir a escada da vida, e Abril ficou lá atrás. Hoje, passados 40 anos sobre aquela manhã incrível, em que tudo parecia irreal, torna-se obrigatório refletir sobre o que foi aquele momento, perceber qual o seu significado e indagar sobre as causas que lhe deram origem.
Para a minha geração, o 25 de Abril representou também uma libertação interior. Uma paixão que não se repetirá. E que me faz evocar o filme Casablanca, quando Rick (Humphrey Boggart), ciente de que o antigo amor vivido na Paris ocupada, já não poderia ser revivido em Casablanca, diz a Ilsa (Ingrid Bergmann): We'll always have Paris. Da mesma forma, eu digo: I'll always have Abril. Perdi o sonho e a esperança, esforço-me por manter a generosidade.
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