segunda-feira, 10 de março de 2014

Anos Sessenta

Para a gente da minha geração, parece que foi nos anos sessenta que tudo aconteceu: o rock and roll, os beatles, os rolling stones, o woodstock, os hippies, as calças à boca-de- sino, a minissaia, a vulgarização da pílula, o make love not war, o começar a percorrer o mundo de mochila às costas, a emancipação da mulher, a urbanização, o aparecimento dos subúrbios, o marketing, a ida à Lua, a contestação à guerra por imperativo de consciência, a emancipação dos negros na América e a libertação dos povos africanos. No cinema e na música os nomes dos anos sessenta, formam uma constelação de estrelas: Fellini, Visconti, Hitchcock, Ingmar Bergman, Kubrick, Chabrol, Brigitte Bardot, Sofia Loren, Claudia Cardinali, Jane Birkin, Marilyn Monroe, Elvis Presley, Bob Dylan, Joan Baez, Bob Marley. E tantos outros! E não faltam os mitos e os heróis : Che Guevara, Luther King, John Kennedy, Fidel de Castro, Mao Tse Tung, João XXIII, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira...

 No mundo ocidental, que durante muito tempo foi sinónimo de mundo civilizado e industrializado, esses anos são tempo de mudanças, durante os quais a sociedade se transformou de forma irreversível. De repente, a velha ordem hierárquica e tradicional, baseada nos valores da família, da religião e do amor pátrio, começou a ruir. Foi uma revolução social, direi mesmo uma revolução civilizacional. Aparentemente o driver destas transformações foi uma movimentação dos mais jovens, que interiorizaram a sua predestinação para realizar as mudanças e não hesitaram em tomar nas suas mãos essa missão. O maio de 68 em França e a crise académica de 69 em Portugal são momentos dessa afirmação.

No início da década de sessenta, a geração nascida durante a guerra e nos anos seguintes começava a chegar às universidades. Mas já não eram apenas os filhos das elites que ascendiam ao ensino superior. Na velha sociedade hierárquica e estruturada, a Universidade era o filtro de malha fina que limitava a ascensão social. Isso era muito evidente no nosso País onde, ao contrário do que se passava nos EUA, a via do sucesso empresarial ou comercial foi sempre mal vista como forma de reconhecimento social. Entre nós, desde que acabou a fidalguia, a pertença ao mundo dos doutores passou a ser a principal marca do elitismo.

Em Portugal, os anos sessenta são ainda tempos de ditadura, de censura, mas agora também das grandes migrações (para a Europa, para as cidades do litoral) , das crises académicas, da guerra colonial, das canções de protesto. Apesar da exaltação nacional que foi o campeonato do mundo de futebol de 1966, e das glórias europeias do Benfica, a repressão gerava a contracultura: éramos anti-regime, anti-fado, anti-futebol, anti-nacional-cançonetismo e anti-religião. Ao som dos long plays, da rádio, da música inglesa, do em órbita viviam-se os últimos tempos românticos. Tempos em que o amor começava com la main dans la main, les yeux dans les yeux.

Mas, nessa década, quase sem nos darmos conta, teve também lugar uma revolução energética que transformou a nossa forma de viver. Em 1960, a economia mundial absorvia 20 milhões de barris de petróleo por dia que corria abundante e barato. O crescimento precisava de mais e mais crude. E ele jorrava fácil no Texas, no deserto da Arábia, no Irão e no Iraque. No final da década, o consumo mundial de petróleo era já de 50 milhões de barris por dia. Foi essa energia que levou o conforto aos lares e fez esquecer o tempo das privações, provocando uma mobilidade social nunca antes imaginada.

Mas foi nos anos sessenta que lançámos à terra as sementes do diabo. E os frutos amargos que hoje delas colhemos são o consumismo, a poluição, a globalização, a extinção das espécies, os transgénicos e o aquecimento global. Frutos que por sua vez são causas da crise, das desigualdades e do desemprego. Estamos ainda a digerir as transformações dos anos sessenta, e a adaptarmo-nos a elas. Em 1965, a população mundial era de 3,5 mil milhões de pessoas, e, desde esse ano até hoje, ela duplicou. Mas o planeta é o mesmo, e está mais maltratado. Já percebemos que, nalguns aspetos, fomos longe demais. Acreditámos que não havia limites, e agora sabemos que eles existem. E estão à vista.

Foi esse o nosso tempo.

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