segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Viagem à Capital do Reich

Não conhecia Berlim. A minha ideia da cidade era um leve esboço, resultado de leituras da adolescência, enquadrado pelo ambiente que envolvia o filme Cabaret com Liza Minelli. Nesse quadro predominava a Berlim do início dos anos 30, povoada de femmes fatales, estilo Marlene Dietrich dos filmes de Sternberg. Depois, havia a outra faceta: a Berlim da guerra, dos desfiles nazis, das perseguições aos judeus, da cidade bombardeada e da famosa fotografia dos soldados soviéticos a hastear a bandeira vermelha no Reichstag em ruínas. Mais recentemente, a Berlim dividida pelo muro, do Ich bin ein Berliner de Kennedy. E, finalmente, a cidade reunificada. Renascida das cinzas, como a Fénix, Berlim volta a ser a capital do Reich, e aspira ser a capital duma Europa à procura de si própria.

Foi esta nova Berlim que eu fui conhecer no fim de semana passado. Uma cidade ampla, acolhedora e em movimento. Uma cidade com gente jovem. Uma cidade de cultura. Chega-se a Berlim pelo velho aeroporto de Schönefeld, que servia a antiga parte oriental, e que vai, muito em breve, dar lugar a um novo aeroporto, mais moderno. O comboio leva-nos ao centro da cidade. Deu para perceber a eficiência de um sistema de transportes baseado no metro e no comboio urbano. Ficamos num hotel familiar perto do centro, na antiga parte oriental, situado numa rua comercial com restaurantes sírios, vietnamitas, japoneses, italianos, e onde não falta uma livraria portuguesa, uma espécie de alfarrabista.

A nova Berlim recuperou o seu centro monumental onde sobressaem o Reichstag, a porta de Brandenburgo, e o memorial ao Holocausto construído exatamente no lugar  do bunker onde, em Abril de 1945, Hitler se suicidou juntamente com Eva Braun. O Tieregarten é um parque citadino, orgulho dos berlinenses que o comparam ao Central Parque de Nova Iorque. Não pudemos visitar o imponente Reichstag, pois era necessário marcar a visita com semanas de antecedência. Fizemos o circuito turístico que deu para ficar com uma ideia da cidade,  e ver  o que resta do muro, no celebrado Check Point Charlie.

Berlim é uma cidade com muitos museus. Mas como não se pode visitar tudo, optámos pelo museu Pergamon . No final do século XIX, após a conferência de Berlim, uma grande parte do mundo, fora da Europa, estava debaixo da alçada do império britânico. Foi a época das grandes explorações. Os alemães, sem a tradição marítima e sem os imensos territórios de África, da Ásia e da Austrália dos ingleses, não quiseram ficar atrás deles. Voltaram-se para os territórios do Império Otomano: Turquia, Síria, Líbano, Egipto. Aí pesquisaram, descobriram, escavaram, e, sempre que os deixaram, levaram tudo o que encontraram para Berlim. No Pergamon podemos ver, em três reconstituições fabulosas, uma parte desse espólio: a porta de Ishtar na Babilónia, com os seus dragões, o portal da entrada do mercado de Mileto, e o altar de Pérgamo. O extraordinário trabalho de recuperação realizado, e a possibilidade de o visitar em condições ótimas, retira qualquer significado à discussão sobre se havia ou não o direito de desviar estes achados dos seus locais de origem. Depois desta visita, pela parte que me toca, absolvo os alemães de qualquer pecado sobre este assunto...O esplendor das civilizações da Mesopotâmia poderia ter-se perdido para sempre, e nunca chegar a ser conhecido em toda a sua amplitude, sem este fabuloso trabalho de recuperação, catalogação, restauro e enquadramento museológico.

A noite de sexta feira foi dedicada a assistir  a um concerto da famosa Filarmónica de Berlim.  Dirigia a orquestra o maestro americano Herbert Blomstedt, já nonagenário. Na segunda parte, a orquestra  interpretou a famosa Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz. Um drama instrumental como aparecia referido no programa.  É um privilégio poder ouvir uma das melhores orquestras do mundo, para muitos a melhor, numa sala que, dizem os entendidos, reúne condições acústicas excecionais. 

No sábado foi tempo de visitar o mercado de antiguidades, na rua, junto ao Jardim Zoológico, num canto do Tieregarten. Depois de um almoço bem alemão  (wurst, a famosa salsicha, com mostarda e choucroute),  foi o deslumbramento do consumismo na visita aos grandes armazéns  KaDeWe, situados no centro comercial da antiga Berlim Ocidental. Ficamos esmagados pela diversidade e pela abundância cornucopiana dos produtos expostos. E pela avidez dos consumidores.

A Alemanha, sem história, não é verdadeiramente uma  nação como a Inglaterra ou a França. E só uma não-nação com o peso económico da Alemanha, libertada de ambições imperialistas e de preconceitos rácicos, pode liderar a construção de uma Europa que precisa de se libertar do espartilho das nações (onde se inclui a  própria Alemanha) que há um século atrás a mergulharam em duas guerras sangrentas. Berlim aspira, com razão, a ser a capital dessa Europa. Não é seguro que o consiga, mas sem Alemanha não haverá Europa.


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