segunda-feira, 15 de junho de 2015

O Óscar

Neste passado e chuvoso domingo de junho um grupo de vinte e nove pessoas, entre as quais oito crianças, convidados pela Fundação Vox Populi, foram de autocarro visitar uns insólitos imigrantes. Entre eles o Bruno, o Miguel e o Óscar. Daquele grupo de sul americanos confesso que gostei particularmente do Óscar - por ser dócil e ter um olhar meigo. O Óscar e os amigos foram parar à Benfeita, uma aldeia de xisto perdida entre Coja e o Piodão, por causa da globalização. Vieram dos Andes, não sei se do Perú se da Bolívia, onde existem em grande número e são venerados pelos habitantes locais. A tal ponto que estão representados na bandeira do Perú.

O Óscar recém tosquiado, fotografado na
localidade de Benfeita
O Oscar é um alpaca. O nome científico desta espécie é vicugna pacos. Trata-se de um mamífero ruminante estreitamente aparentado com a vicunha - que ainda vive no estado selvagem - e, de forma um pouco mais distante, com o guanaco e com a lama. Todos estes animais pertencem à família dos camelídeos. Como estas espécies são originárias e vivem na cordilheira dos Andes, em altitudes superiores aos 4000 metros, para se adaptarem à escassez de oxigénio, o seu sangue tem uma elevada percentagem de hemoglobina que no caso dos guanacos pode ser quatro vezes superior à do sangue dos humanos. O corpo das alpacas é revestido por uma lã de excecionais características: leve, suave, comprida, fácil de lavar e de fiar, e tem uma grande capacidade isoladora. Na tosquia que é feita na primavera, cada animal dá cerca de quatro quilos dessa apreciada lã.

O Óscar e os amigos foram trazidos para a aldeia da Benfeita por uns ingleses que os albergam e tratam nas terras onde há 50 anos portugueses, hoje emigrados - quem sabe, em algum subúrbio poluído da Inglaterra -, arroteavam socalcos em que se cultivava o milho, e onde se produzia azeite e vinho. A água ainda hoje corre cristalina nesses pendores da serra do Açor, à espera de voltar fertilizar as terras úberes das várzeas que ladeiam as ribeiras.

A desertificação das aldeias de xisto ocorreu no pós guerra, durante o período de emigração para a Europa e para as cidades do litoral. Os terrenos agrícolas estão hoje abandonados. Algumas casas recuperadas são usadas como efémeras residências de verão e não são sustentáveis no médio prazo. Outras em ruínas são, sobretudo, habitadas por velhos que ainda ali vivem. A economia local, que criava valor e fazia prosperar, desapareceu. Então, atraídos pela beleza natural e pelo vácuo populacional, começam a aparecer por ali um novo tipo de ocupantes: estrangeiros do centro e do norte da Europa, marginais da economia de consumo. A escassa população local olha-os com desconfiança : estão linguística e culturalmente desenraizados; têm poucas condições para educar os filhos; resistem com dificuldade ao ambiente socialmente hostil, e muitos deles acabam por partir.

A visita às alpacas, terem assistido à tosquia do Óscar e terem manuseado e feltrado a lã de alpaca, foi, quer para os adultos e quer para as crianças que participaram na excursão do domingo, uma oportunidade de sair da rotina da cidade. Entretanto, começam as férias, e muitas das crianças deste país preparam-se para o despreocupado tempo da praia e para o alheamento da televisão e dos jogos de computador. Longe dos dramas que se vivem noutras latitudes, mas que já se vislumbram bem perto das fronteiras da velha Europa e ameaçam agitar este doce e despreocupado remanso lusitano.

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