A palestra de encerramento do ciclo de conferências "Que Portugal queremos ser? Que
Portugal vamos ter?", promovidas pelo Grémio Literário, pelo Clube Português de
Imprensa e pelo Centro Nacional de Cultura, coube a Rui Ramos, historiador e
comentador, que, no passado dia 28 de junho, optou por abordar o tema numa perspetiva
histórica focalizada nos últimos duzentos anos.
A imagem que o orador nos deixou do Portugal daquele período foi a de um país que se
esforçava permanentemente em importar e adaptar os padrões económicos, sociais e
culturais vigentes na Europa Central, a qual vivia o surto de progresso da Revolução
Industrial: uma constituição à semelhança da França; um regime parlamentar à
semelhança da Inglaterra; a escola pública, a rede ferroviária, as ideias liberais, a difusão da
imprensa, as comunicações, impulsionadas pelo telégrafo e pelo telefone e as tecnologias
associadas à eletricidade, que se disseminavam um pouco por toda a parte. O século XIX -
sobretudo a partir das lutas liberais - foi, no nosso país, o tempo dessa adaptação, marcada
por uma luta entre a elite progressista dos inovadores e os saudosistas do antigo regime. A
famosa Geração de 70 deixou-nos como referência a célebre conferência proferida por
Antero de Quental sobre "As causas da decadência dos povos peninsulares" e a ironia fina
da prosa de Eça de Queirós que tão bem retrata as duas correntes em confronto.
Os anos do pós-guerra, já no século passado, trouxeram à Europa uma nova e enorme
transformação. A reconstrução iniciada com o plano Marshall e impulsionada pela energia
fóssil – nomeadamente, pelo petróleo e pelo automóvel - conduzem a uma sociedade mais
urbana, mais escolarizada, já com um sistema de apoio social. Surge, por essa altura, a ideia
de uma Europa Unida, e o Portugal de Salazar, apesar do dilema colocado pela manutenção
das colónias africanas, não tem outra solução senão a inovação e uma lenta aproximação à
Europa. O instrumento encontrado para esse fim são os conhecidos Planos de Fomento
com as suas reformas na administração, na educação, na saúde, nas grandes obras, na
agricultura, na indústria e nas vias de comunicação. Em 1960, Portugal adere à EFTA, uma
zona de comércio livre impulsionada pela Inglaterra. O então ministro Correia de Oliveira -
que participou ativamente nas negociações para a adesão à EFTA - considerava que a
Europa e a continuação da nossa presença em África eram desejáveis e compatíveis para
Portugal.
Entretanto, a emigração para a Europa aumenta fortemente e, ela própria, é um
contributo para a integração. Perante este surto de desenvolvimento e progresso – o País
registou, nesse período, as taxas de crescimento do PIB mais elevadas da sua história - a
oposição está dividida entre apoiar ou rejeitar a política económica da ditadura. O Partido
Socialista, adepto de uma linha europeísta, funda-se em 1973 na Alemanha, apoiado por
partidos europeus.
Após o 25 de Abril, na confusão do período do PREC, Portugal torna-se um país à deriva,
sem saber se deve rumar para África, para a Europa ou para o Terceiro Mundo - na altura
alinhado com a esfera soviética. Porém, rapidamente se tornou claro que só a opção Europa
era compatível com a democracia. Em 1977, Portugal pede a adesão à CEE, e a
concretização desse objetivo passa a ser o grande projeto nacional. Seguem-se grandes
reformas estruturais que recuperam a ideia dos planos de fomento da ditadura –
conduzidas ainda, nalguns casos, pelas mesmas pessoas que os tinham concebido como foi
o caso, entre outros, do economista José da Silva Lopes. O período 1986-1992 foi um
período de grande euforia que viu nascer um País novo. A comemoração do dia de Portugal,
em 10 de junho, reflete, de alguma forma, os novos tempos. Antes evocativo do passado
imperial, saudosista, passou a simbolizar o Portugal das comunidades, do sucesso das
novas elites, da prosperidade, dos campeões.
Todavia, a crise que adveio nos anos mais recentes volta a colocar interrogações. Muitos já
perguntam se o projeto Europeu ainda faz sentido? Para Rui Ramos, a resposta é,
definitivamente, afirmativa: Portugal tem de ser a casa comum de todos os portugueses.
Porém, para isso precisa de estabilidade e, agora, também da Europa, entendida esta não
apenas como uma democracia formal, mas como um espaço que defenda e proteja a
democracia. Esta Europa trouxe a paz ao continente europeu, e em tempo algum os seus
povos viveram uma situação melhor!
Também eu estou convicto que não há portugalxit possível. Mas, fala-se e discute-se ainda
como se houvesse. Os políticos digladiam-se ainda entre si, lutando pelo poder e pelas suas
benesses como se fôssemos um país soberano. Na realidade teimamos em não querer
discutir o Portugal que queremos ser. E isso mergulha-nos na angústia e ansiedade que
suscitam a imprevisibilidade do Portugal que vamos ter.
Saio desta última conferência com a convicção de que Portugal está condenado a ser um
país inconformado, hesitante, sem rumo e sem consensos. Como se tivéssemos de cumprir
este fado de ser um país à deriva, recusando a praxis que nos oferecem. Como se fizesse
parte dos nossos genes a crença sebastianista e saudosista de que Portugal só se cumprirá
nas névoas do Quinto Império...
Thinking Outside the Grid
Há 5 anos
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