segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Jogos Perigosos

A brusca descida do preço do barril de petróleo, ocorrida no último trimestre de 2014, tem vindo a causar perplexidade e o assunto tem sido objeto de inúmeros comentários e análises de economistas e outros especialistas na matéria. Para quem acompanha com interesse o sector energético, o que causa mais estranheza é a rápida descida do preço, a qual, num período de poucas semanas. se cifrou em cerca de 40%, passando dos 100 dólares/barril para cerca de 60. De um modo geral,  atribuem-se como causas desta descida: a quebra na procura da matéria prima  resultado da desaceleração do crescimento económico a nível mundial; o acréscimo da produção de shale oil nos Estados Unidos; a  recente decisão da OPEP em manter inalterado, no futuro próximo, o quantitativo da sua produção.

À primeira vista os exportadores de petróleo perdem com o preço baixo; os importadores ganham. Os Estados Unidos, simultaneamente grandes produtores e grandes importadores ganham por um lado e perdem por outro. Mas, para a economia global, as consequências desta baixa de preço podem ser inesperadas. Diz Gail Tverberg, uma especialista em assuntos energéticos, que "com o preço baixo o petróleo ficará no subsolo, e isso já começou a verificar-se, nos Estados Unidos, na produção do petróleo de xisto e na produção off-shore". A perspectiva, muito badalada, de os EUA virem a tornar-se exportadores começa a fica cada vez mais longínqua. A baixa de preço do crude terá reflexos na economia  americana pois a a extração do petroleo de xisto tem forte impacto na taxa de emprego. E há que ter em conta que explosão do fracking foi ativamente estimulada pela massiva concessão de crédito. Ora, a queda dos preços vai provocar muitos imcumprimentos de pagamento das dívidas das empresas produtoras, e  pode provocar deflação. A dificuldade de pagar os débitos é  menos desejável numa altura em que o mundo está atingir níveis muito elevados do endividamento. Alguns observadores temem que a incerteza num segmento tão importante poderá ser contagiosa e tenderá a espalhar-se, secando a  liquidez e impossibilitando o financiamento de sectores de alto risco.

Diz ainda a senhora Tverberg que "a queda dos preços afeta os países exportadores e pode provocar fortes quebras na sua produção, e que, com o petróleo a baixo preço, se  mata a esperança no desenvolvimento das renováveis" . E conclui dizendo que "de um modo geral, os benefícios da queda dos preços não compensarão os malefícios provocados pela subida que, inevitavelmente, se seguirá".

Um pouco por toda a parte as empresas do sector  reavaliam os investimentos na prospecção e exploração de petróleo.  : Robin Allan, presidente de uma associação de produtores independentes diz que as perspetivas no Mar do Norte são negativas: "no Mar do Norte existe uma enorme crise. Não há novos projetos rentáveis com petróleo abaixo de 60 dólares o barril. Em consequência disso, a extração de petróleo da plataforma continental norueguesa caiu 5% apenas neste ano. E daqui a 10 anos a Noruega produzirá crude apenas para consumo interno e deixará de exportar".

David Hughes citado na press review semanal de Luís de Sousa refere que tendo analisado os dados das maiores empresas de fracking observou que o declínio da produção tende a ser muito elevado nestas jazidas (70% no primeiro ano; 85% no terceiro) .  Se considerarmos que as primeiros poços a serem explorados são os mais produtivos, no futuro o declínio será ainda maior. E acrescenta : "estamos a basear as nossas esperanças de oil independence  em falsas premissas. Pior do que isso, usamos isso para negar o pico do petróleo quando deveríamos utilizar esta reserva extra para construir as estruturas de uma nova era energética - seja qual for o seu modelo -, enquanto ainda tivermos energia disponível para o fazer".

Outras notícias citadas na mesma fonte dão conta de ter sido suspensa a  construção do pipeline que deveria ligar Dakota a Oklahoma para escoar o petróleo de xisto da bacia de Bakken . A Chevron, por sua vez , cancelou as perfurações no Ártico canadiano. E na Ucrânia foram abandonados projetos de fracking na região oeste,  significando o fim do sonho do país se tornar num grande produtor de gás de xisto para, deste modo, reduzir a sua dependência da Rússia.

No complexo contexto internacional esta situação convém à América. Os danos causados sobretudo nas economias russa iraniana e venezuelana - os seus clássicos inimigos de estimação!-, compensam os prejuízos caseiros e, no cômputo final, servem os seus interesses. O fracking é o seu trunfo principal mas é, ao que tudo indica, uma carta com menos valor do que aquele que se anuncia. Como no poker, é utilizado para fazer bluff , escudado nos lobbies e nas enormes campanhas de publicidade e de relações publicas. O principal adversário dos americanos  é Putin. Ora, o russo tem mais o perfil e o comportamento de um jogador de xadrez do que de um jogador de poker. Por isso, o desfecho do jogo é incerto... Muitas vezes estes jogos, de altas paradas, acabam mal...

1 comentário:

  1. Jogos perigosos, sem dúvida. O petróleo ainda é o motor do modelo económico dominante e se a sua oferta/preço oscilam, então muito mais coisas podem tremer.
    Desejo um Bom Ano de 2015 ao amigo LQ e ao seu excelente blogue!

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