segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Branca e Leve, Branca e Fria

Há quanto tempo a não via! Chegou no domingo de manhã, e foi através da vidraça do velho Hotel Santos, na Guarda, que eu a vi, esfarrapada e dançante, teimando em agarrar-se ao chão. "Finalmente, parece que chegou o Inverno", desabafa o empregado do Hotel, acrescentando: - "Mas já não é como antigamente quando os grandes nevões cobriam a cidade, em Dezembro e em Janeiro".

Da minha cidade, resta hoje muito pouco que me identifique com ela. Há a familiaridade das ruas, mas as pessoas são-me completamente estranhas. A cidade já está contaminada com o vírus da desertificação que, como uma infeção, vai corroendo os corpos e as almas. Que alastra e ameaça destruir todo o interior beirão. Indústria não existe; a cultura eclipsou-se com o Américo Rodrigues; o comércio ainda resiste, mas está deprimido. Faltam as pessoas, faltam crianças, falta a esperança... E este frio cortante que se entranha pelos ossos, levou-me a evocar uma fria mansarda no Largo dos Correios onde, sem aquecimento e sem qualquer conforto, um jovem, esperançoso, sonhava partir à descoberta do mundo.

O que me levou, desta vez, à Guarda foi esta serôdia cruzada que prego pela educação. Estive na reunião do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas de Almeida para dar o meu contributo à única causa que ainda merece esforço: a educação. A única que pode contrariar o lento definhar da terra e das gentes. Mas não é uma tarefa fácil transformar mentalidades, lutar contra a anemia das vontades, contra o conforto das reformas e dos subsídios. É uma luta perdida tentar estimular os mais velhos, olhando resignados o desfiar dos dias à espera de nada.

Na Guarda, acompanho a Paula à missa das dez e um quarto na Igreja de São Vicente. Na assistência, cinco ou seis dezenas de pessoas, de cabelos brancos, a evidenciar a decadência do fervor religioso. No meio da missa, alguns deles, com ar mais debilitado, perfilam-se em direção ao altar para uma insólita cerimónia: a unção dos doentes. Era o primeiro domingo da Quaresma, o domingo das tentações como se lhe referiu o celebrante. A leitura do evangelho, segundo Mateus, contava a ida de Cristo para o deserto onde jejuou durante quarenta dias, e onde no fim desse jejum, faminto, foi tentado por Satanás. - "Se és Deus, transforma estas pedras em pão". Ao que Cristo respondeu, invocando os livros: - "Nem só de pão vive o Homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus!"

Saio da igreja a pensar se aquele homem terá mesmo existido, como terá vivido o tempo entre os doze e os trinta anos - sobre o qual os evangelistas lançaram um manto escuro -, quando se forma a personalidade, se afirmam os ideais e se consolidam as crenças. Não foi esse tempo passado, certamente, na oficina de carpintaria de seu pai. Conhecer a sua vida nesse tempo, ajudaria a compreender o mistério que o rodeia, contribuiria para perceber a génese da filosofia que transformou o Império de Roma e ajudou a formatar o Ocidente! Conhecer como foi a vida de Cristo nos seus verdes anos, talvez nos desse a pista para, no tempo de hoje, nos ajudar a sair do Inverno do nosso descontentamento.

1 comentário:

  1. Admiro muito em ti e,todos vós, o espírito missionário que vos carateriza,sempre com vontade de mudar o mundo para melhor.Precisamos de mais gente assim. Obrigada Luís Queirós.

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