Não tivesse havido a sessão de perguntas e respostas e teria sido trivial a prestação de Luís
Marques Mendes na sessão que, no passado dia 28 de janeiro, teve lugar no Grémio Literário
sobre o tema "Que Portugal queremos ter, que Portugal vamos ser". Marques Mendes é um
político profissional, filho de político, que desde muito jovem se iniciou nas lides partidárias, e
que conta com uma longa experiência governativa e parlamentar. Ele conhece como poucos os
meandros da política e da vida partidária, conhecimentos que utiliza agora como comentador
residente num canal televisivo.
Na sua palestra inicial, não foi além da defesa do politicamente correto. Invocou os fatores que,
na sua opinião, vão condicionar o Portugal que queremos ter: a competitividade, que deve
assentar no conhecimento, para produzir melhor e para exportar mais; a coesão social, para
manter a grande conquista que é o Estado Social; a coesão regional, para não deixar desaparecer
o nosso abandonado interior; a sustentabilidade financeira, que é o suporte da saúde de
qualquer economia; a política externa - destacando o espaço da lusofonia –,para afirmarmos o
pouco que ainda nos resta de soberania; a cultura, que é uma herança e um património de
muitos séculos. Terminou, considerando que, para fazer reformas e mudar as coisas, é urgente o
compromisso e a convergência entre os portugueses e, sobretudo, entre os grandes partidos.
Mas foi na parte de perguntas e respostas, quando questionado por um deputado presente na
sala sobre as reformas no sistema político e partidário, que Luís Marques Mendes soltou as
amarras do seu discurso e deu largas à expressão do seu desencanto pelo sistema partidário,
pela política e pelos políticos. Apresentou um quadro negro da situação vigente, afirmando que
na feitura dos programas partidários não há debate, não há pensamento organizado e
estruturado. Chegou mesmo a afirmar que os programas eleitorais são feitos em cima da hora, e
que os candidatos a deputados nem sequer os leem antes das campanhas. E que tudo isso faz
com que as promessas das campanhas não sejam cumpridas na governação. Em resumo, na
opinião do orador, vivemos mergulhados numa crise de credibilidade dos políticos e das
instituições. Os partidos - todos os partidos, fez questão de sublinhar - estão cada vez mais
divorciados das pessoas e da sociedade. E o facto que será mais grave é o cidadão comum estar,
também ele, divorciado da política, dos políticos e dos partidos.
Referiu-se muito criticamente à qualidade dos nossos deputados. Explanando que, na
preparação das eleições, "a única coisa que se debate é a colocação das clientelas", e que nas
listas entra tudo, o bom e o mau. O parlamento resulta assim desequilibrado, com gente
competente ao lado de gente que nunca lá deveria estar, pois ao lado do mérito existe um deficit
de competência, de qualidade e de credibilidade. Num sistema eleitoral em que as pessoas
votam no partido e no candidato a primeiro ministro, os deputados, porque não respondem
individualmente perante quem os elegeu, ficam desresponsabilizados. Felizmente nas eleições
autárquicas é diferente, porque aí os eleitores votam em pessoas. E, talvez por isso, só aí os
partidos recorrem a independentes para não correrem o risco de perderem votos e eleições.
Para Marques Mendes, não só a vida política se vai degradando, mas também a seriedade e a
autenticidade. Só um grande exercício de cidadania pode alterar este estado de coisas. É urgente
debater o sistema e, só depois disso, fazer um choque cívico. Tem de haver uma política de
compromisso. Defendeu um sistema eleitoral como o alemão, com um círculo nacional e
círculos nominais. Todavia, não acredita que a reforma algum dia se faça a partir do interior do
sistema, justificando que os chefes partidários, sobretudo a nível local, não vão querer perder o
seu poder.
Quando as conveniências superam as convicções - a expressão é do orador - a democracia, acho
eu, corre perigo. A indignação aparece, a revolta e a revolução são, muitas vezes, a resposta. Há
que procurar o tal compromisso para mudar as coisas, enquanto é tempo e dentro dos
mecanismos que a própria Constituição prevê, antes que alguém se lembre de as mudar de uma
outra forma qualquer.
Thinking Outside the Grid
Há 5 anos
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