segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rio Vivo


S. Pedro do Rio Seco tem uma associação de um novo tipo, a Associação Rio Vivo. É uma associação inspirada nos princípios da transição que pretende contrariar a desertificação e o abandono das aldeias do interior beirão. No passado dia 20 de janeiro, tomaram posse, na sede da Associação, os seus novos corpos sociais. A nova direção é liderada pelo Bruno Gomes, um jovem veterinário que  se fixou na aldeia no ano passado, depois de vencer o prémio Riba Côa que a Fundação Vox Populi instituiu e vem promovendo desde há quatro anos. Com a eleição dos novos dirigentes encerra-se um ciclo iniciado em agosto de 2009 quando um grupo de amigos se reuniu no Lagar da Casa Amarela para se comprometer com uma carta de princípios que, em janeiro de 2010, haveria de resultar na constituição formal da Associação Rio Vivo.

 Para mim, esta ligação à Rio Vivo de que fui o seu primeiro presidente, foi uma experiência gratificante que muito me aproximou da minha aldeia. Muitos duvidam do sucesso deste tipo de iniciativas mas, para estas aldeias, eu não vejo alternativa para enfrentar as incertezas e os perigos do futuro.

A razão se ser da Rio Vivo tem a ver, como já referi, com a desertificação do anterior e a falta de expectativa para as suas gentes. As pessoas abandonaram as aldeias, as escolas fecharam, os campos deixaram de ser cultivados, o comércio definhou, o turismo é incipiente. Existe ainda uma ilusão de prosperidade trazida pelos emigrantes e pelo estado social. A economia do concelho está suportada pelas remessas dos emigrantes e pelas transferências do orçamento do estado ou dos fundos comunitários. Se retirarmos os empregos da administração local, das escolas, das repartições públicas, pouco ou nada resta. Se o concelho de Almeida fosse uma empresa já teria fechado as portas ou teria sido deslocalizada.

Qual o futuro destas terras ingratas de onde fugiu a população e onde a economia produtiva estagnou? As gentes das aldeias da zona de Riba Côa não regressarão mais ao cultivo da terra, nas condições que existiam há 50 anos. O modo de vida tem de ser outro, diferente do atual, pois estas terras não serão indefinidamente sustentadas pelo estado social e pela emigração. Um dia, quando os emigrantes se tiverem diluído nos países de acolhimento e se reduzirem as prestações sociais, as pessoas serão confrontadas com uma nova realidade. E, nessa nova realidade, estará em causa a sua própria sobrevivência.

A nova direção da Rio Vivo terá de trilhar os caminhos de uma nova sustentabilidade. Terá de ser apoiada, sobretudo nesta fase inicial, mas não pode viver permanentemente de apoios. Atrair os jovens para a festa e para a busca das raízes rurais é importante mas não se pode viver só da festa. Tem de estimular a produção local. Que pode vir da terra, do artesanato, da pequena indústria, da cultura. O turismo pode ser um complemento mas não o motor do desenvolvimento destas regiões.

A sociedade dos consumidores está viver os seus últimos dias. A globalização é o estádio final do capitalismo, e para lá da globalização já não haverá outra saída.  A China é a ultima reserva de crescimento deste modelo económico, o derradeiro alento da Era Industrial, e que nos últimos anos  tem sustentado a economia mundial, uma espécie  de balão de oxigénio que corre o risco de se esgotar. O "milagre" chinês, tem um limite temporal de 20 anos que é o horizonte para quadruplicar a sua economia, a manter-se a taxa atual de crescimento. Ora, isso é fisicamente impossível pois os recursos do planeta não serão suficientes para o sustentar, e os níveis de poluição lhe que estarão associados  serão incomportáveis para as pessoas e para o clima.
 
Existe, para alguns, uma esperança na evolução para a sociedade digital. Mas a economia que a poderá suportar tem de ser uma economia de outro tipo (a economia digital). Será uma economia sem fronteiras e com regras ainda mal conhecidas, e a transição para ela não será fácil nem pacífica. As pequenas comunidades podem voltar a ser auto suficientes e assegurar a resiliência para enfrentar as procelas que, no horizonte da crise, as nuvens carregadas prenunciam.







segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A Era do Consumidor - II


A viragem do século XVIII para o século XIX é um marco na história da Civilização. É o desabrochar das ideias, trazidas primeiro pela Renascença, depois pelos Enciclopedistas e pelos Iluministas, que se sucedem ao obscurantismo  e à intolerância religiosa da Idade Média. O pensamento cientifico sobrepõe-se  às crenças do antigo regime e abre novos horizontes à mente humana. A Revolução Francesa, a independência dos Estados Unidos, o progresso cientifico, são as portas de entrada num mundo novo onde se afirmam os princípios da Igualdade, da Liberdade e dos Direitos do Homem.

Por sua vez, a  Revolução Industrial, ocorrida nessa altura, muito contribui para essa mudança e ajuda a criar as condições para a sua consolidação. O fator determinante foi a descoberta das máquinas que funcionavam pela força motriz da água ou a vapor, e que vieram  substituir o trabalho braçal e o trabalho animal. Foi na indústria têxtil, com a mecanização da fiação e da tecelagem, onde o seu efeito mais  se fez sentir. A Inglaterra liderou a Revolução Industrial, em parte pela importância das suas minas de carvão. E, apesar de perder as colónias da América, veio, por essa razão, a constituir um império onde nunca se punha o Sol, o maior conhecido depois do Império Romano.

As fábricas erguem-se por toda a parte no mundo ocidental que, deste modo, assume a liderança económica sobre vastas regiões do globo, nas quais uma boa parte da população ainda vive  ainda como se vivia, dez mil anos antes, na Europa. No Extremo Oriente, uma civilização milenar, a  China, estava adormecida pelo ópio que os  ingleses traficavam a partir da Índia, e deixou passar a revolução industrial ao lado. Nos Estados Unidos, foi a capacidade industrial dos estados do norte que deu à União as condições e o armamento para a vitória sobre a Confederação dos estados sulistas, e que resultou na abolição da escravatura. Assente nos princípios da igualdade e da democracia,  a jovem nação prepara-se para liderar o mundo nos séculos que se irão seguir.

Com a máquina a vapor aplicada à tração surge o comboio que vence distâncias em tempos até aí inimaginavéis, e secundariza a milenar importância do cavalo. No inicio do século XX, o petróleo começa a substituir o carvão e aparece o automóvel e o motor de explosão. A decisão de Churchil, em 1914,  de adotar o petróleo como combustível nos navios da Royal Navy, permitiu à Inglaterra ganhar  uma vantagem decisiva no mar. A importância do petróleo e a descoberta de imensas jazidas  no Médio Oriente foi uma das sementes para os dois conflitos que grassaram na Europa e no Mundo durante a primeira metade do século passado.

O século XX inicia-se sob a égide da exposição de Paris. A Europa é o ainda o centro do mundo.  Existe uma crença ilimitada na capacidade do homem e da ciência de assegurar o progresso sem fim. A par com a adoção de novas formas de energia, a revolução tecnológica constitui outro fator de progresso.  A eletricidade faz parte desta revolução tecnológica: surge o telegrafo, o telefone, o rádio, a televisão,  e a imprensa industrializa-se com as impressoras mecânicas, e  transforma-se num meio de massas.

A produção em série permite disponibilizar, a preços baixos, produtos até então apenas acessíveis às classes mais altas, e inicia-se um tempo de grande prosperidade. Em 1800, a Humanidade tinha mil milhões de pessoas, menos do que a atual população da China. Mas, contrariando as previsões de Malthus, tudo estava prestes a mudar: nos 200 anos seguintes a população Mundial vai multiplicar por seis. A ordem económica inspira-se nas ideias de Adam Smith. O capital, a fábrica e o proletário estão na origem de tensões e conflitos de classe que conduzem à revolução russa e à ascensão das ideologias comunistas.

As duas guerras da primeira metade do século  são ajustamentos iniciados na Europa na busca da liderança. Com o desfecho da segunda grande Guerra vai despontar a idade de Ouro e estabelecer-se definitivamente a Sociedade dos Consumidores, que iria atingir o seu esplendor na segunda metade do século XX. Ao mesmo tempo, a economia começava a crescer a um ritmo frenético, e poucos se apercebiam que poderia haver limites a esse crescimento.

Nos anos da Idade do Ouro a energia e a tecnologia sobrepõem-se ao capital e ao trabalho como fatores de produção. A velha ordem fica subvertida e os ideais comunistas sofrem um grande abalo.  O capitalismo conduz à Globalização e os economistas julgam que dominam a ciência económica e acreditam que podem assegurar  o crescimento ilimitado... Falaremos dessa Idade do Ouro, e de como as sua miragens nos trouxeram alguns amargos de boca.
 







segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Choque

A publicação do relatório do FMI e o tratamento que  lhe foi dado pelos meios de comunicação social deixou os portugueses em estado de choque. Esta revelação fez-me lembrar aqueles momentos em que o médico diz a um doente que tem uma doença grave ou incurável. O doente primeiro recusa a verdade, ficará angustiado e tentará mitigá-la.  Mas depois revolta-se, em seguida deprime-se, e, finalmente, aceita.  O doente é Portugal, quer dizer somos todos nós; o FMI é o analista que traz o boletim de análise; médico ainda não temos pois ainda ninguém arranjou coragem para assumir esse papel. Todos, incluindo os membros do governo, teimam em ignorar ou fingir ignorar o assunto, e demitem-se de ser os mensageiros das más notícias.

Não vale a pena negar a evidência. Portugal é um país pobre (sempre foi!) que nas últimas décadas se deixou iludir por uma falsa promessa de prosperidade. Mas os comentadores e muitos políticos ainda teimam em negar isso. Que não, que tudo estaria bem se não fosse o BPN, se não fossem as mordomias dos políticos, se não fosse o esbanjamento dos governantes, se não fosse a ganância dos bancos... Ora, tudo isto, sendo porventura algumas das causas dos problemas ou tendo contribuído para os agravar, não é o suficiente para equacionar esses problemas, e, muito menos, para os resolver.

Deixemos que o tempo da negação se consuma e acautelemos a revolta que se vai seguir. A revolta muitas vezes é cega e má conselheira. Retira-nos a lucidez e leva-nos a cometer atos desesperados. Matar o mensageiro pode ser a tentação. Serenar os ânimos, aconselhar calma, chamar à razão é  aconselhável para evitar excessos. Aos mais lúcidos, aos senadores da Pátria, competeria essa função. Mas temos assistido a comportamentos contrários, gente com responsabilidades que vem atear o fogo em vez de deitar a água na fervura.

Quando a depressão se instalar, quando a descrença dos portugueses for generalizada, viveremos um tempo ainda mais incerto e perigoso. Será o momento em que as pessoas pensam mal e se agarram desesperadamente a tábuas de salvação sem cuidar de avaliar os riscos. Podem, nessa fase, ser cometidos erros grosseiros e com consequências muito gravosas. Aparecerão, lado a lado, os profetas da desgraça e os profetas da esperança (uns e outros oportunistas!), haverá dificuldade em distinguir entre o sábio e o charlatão.

Quando, finalmente, se chegar à fase da aceitação talvez se criem condições para reencontrar o caminho ou a via alternativa. Esse poderá ser o caminho da Transição. A nossa esperança coletiva está, pois, num renascimento, o qual terá de ser um tempo de outras regras e muita disciplina, de novas ideias e de novas mentalidades. Um caminho muito estreito, em todo o caso.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Era do Consumidor- I


A época em que vivemos  poderá ficar conhecida para os vindouros como a Era do Consumidor, para referenciar a entidade que desempenha o papel central em toda a atividade económica.

Comprar vender e trocar são as atividades que animam o dia a dia dos indivíduos e das empresas. O comércio moldou o mundo tal como ele existe hoje. Esteve na origem de guerras  e de conquistas, influenciou a literatura e as artes, promoveu viagens, ajudou a desenvolver os meios de transporte, fez e desfez fronteiras. É responsável pela globalização, e, hoje, muitas vezes, confunde-se com a própria economia.

Foi há cerca de 10,000 anos que a sedentarização dos caçadores-recoletores, ocorrida no Crescente Fértil, em consequência da domesticação de animais e plantas, levou à criação de excedentes, os quais, ao permitir alimentar mais pessoas do aquelas que produziam os alimentos, estiveram na base da diferenciação social. As trocas, a partir daí, tiveram um papel preponderante na vida das novas comunidades que se fixavam em redor das terras de cultivo.  O sal terá sido o primeiro produto comercial a ser transacionado. Só estava disponível nos jazigos de sal-gema ou junto ao mar, mas era necessário para as funções vitais e para a conservação dos alimentos. Nasceram as primeiras vias comerciais: as rotas do sal.

No império Romano o comércio teve um grande desenvolvimento A metalurgia do bronze e do ferro para o fabrico de armas e artefactos e a necessidade de ouro para cunhar moedas levou os Romanos a procurar e explorar  por todo o império jazidas minerais. A urbanização tornou necessário atrair ao centro do Império vastas quantidades de alimentos que fluíam pelas rotas marítimas e terrestres. A cerâmica era necessária para fabricar embalagens de transporte e armazenamento. Do médio oriente vinha as tintas e o incenso e a mirra. Mas o comércio mais ativo seria o dos escravos, a principal forma de energia em que assentava a economia do império.

O comércio floresceu nos burgos medievais que cresceram após o feudalismo. Na Europa central o comércio organizou-se, a partir de Lubeck, nas cidades do Báltico que se uniram na  Liga Hanseática, uma espécie de zona de mercado livre com regras próprias. Os artesãos produziam  objetos de cerâmica, teciam, e trabalhavam o ferro, o couro, a pedra e a madeira. No  arranque do segundo milénio, a utilização da charrua de ferro aumentou a produtividade agrícola. E os excedentes assim criados e o fervor religioso fizeram dos dois séculos seguintes o tempo das catedrais. E foi à sombra dessas catedrais que se aprimorou o trabalho dos artesãos.

As guildas, as corporações de ofícios, impunham regras de qualidade e de preço aos produtos. Parece-me ver aqui o embrião da iniciativa privada que esteve na base da empresa moderna. O vínculo entre  produtor (o artesão) e o cliente já contém as bases de uma relação que importava manter e consolidar. Já contava a  imagem o prestigio do produtor, já estava esboçado o conceito de marca. A "origem" funciona como certificado de qualidade: ficaram famosos os utensílios de ferro de Toledo, os panos da Flandres, os couros árabes de Córdova, as  tapeçarias de Arrás, os vinhos franceses.  E os produtos do extremo oriente (a seda, o jade, a porcelana), chegavam e eram valorizados nas repúblicas italianas que prosperaram com esse comércio.

Predomina, nessa altura, o comércio itinerante. As feiras medievais que proliferam por toda a Europa, eram  o lugar de encontro entre mercadores e compradores.  Os judeus afirmam a sua capacidade de comerciar e empreender e assumem a liderança nos negócios. Surgem novos meios de pagamento, e a atividade bancária, iniciada em Itália, contribui para  impulsionar o comércio.

Começaram a procurar-se produtos cada vez mais longinquamente, no oriente e nas profundezas do deserto, produtos como o açúcar, trazido pelos cruzados, o  esmalte e o marfim. A rota da seda foi o primeiro elo de ligação entre a civilização do ocidente e o Império do Meio. E serviu para trazer para a Europa a pólvora, a tecnologia do papel e as especiarias.

As descobertas iniciadas no final do século XV pelos portugueses, foram desencadeadas e impulsionadas pelas trocas comerciais, e elas marcam o inicio da globalização. As novas rotas que circundavam a África, e chegavam ao Novo Mundo, trouxeram um novo impulso ao comércio de produtos tais como as especiarias, o ouro, as madeiras exóticas, o açúcar, o algodão, o  cacau , óleos,  marfim e escravos.

Mas foi no final do século XVIII que a invenção da máquina a vapor, alimentada a carvão, deu lugar à Revolução Industrial, a qual viria revolucionar a economia.  Já no século XIX, surgem o comboio e  o navio a vapor, que provocam as grandes migrações para as Américas e para África.  A produção fabril em massa, a redução dos custos de produção e os excedentes da era industrial estiveram na base de uma atividade nova que floresceu e atingiu o seu apogeu  no pós guerra: o marketing.

O marketing transformou o cidadão, nascido na revolução francesa, em consumidor. E que passou, como veremos,  a ser o personagem central da nova economia.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

À Procura de Deus


Quando todas as portas se fecham, quando os homens começam a descrer dos seus governantes, quando se torna mais evidente a transitoriedade das coisas, quando tudo parece ruir à sua volta, os homens voltam-se para  Deus e para o sobrenatural. Foi assim nas guerras, nas pestes, nos cataclismos e nas fomes que ciclicamente assolaram o mundo. O fervor religioso floresceu sempre em tempos de crise, e, nessas ocasiões, houve aproveitamentos por parte dos que se afirmavam como guardiões de Deus e se intitulavam seus representantes na Terra.  A inquisição, a intolerância em relação ao livre pensamento, e até as cruzadas são disso exemplos.

Na euforia tecnológica e consumista dos últimos 100 anos, no festim da energia fóssil, o homem acreditou que podia igualar os deuses, e tinha o destino nas suas mãos. Acreditou que podia vencer a depressão e a angústia, que podia superar as doenças, e que a ciência lhe daria resposta para tudo. Porventura, até lhe permitiria descobrir a fórmula mágica do elixir da longa vida que significa a conquista da imortalidade. Para muitos, nesta euforia cornucopiana,  Deus e a Religião passaram para um plano secundário.

Nos nossos dias vive-se uma crise profunda, cujas razões, dimensão e duração ainda são mal percebidas. Acredito que, mais uma vez, ressurgirá a religião como refúgio para a incerteza, para procurar apoio e respostas para o que não se encontra a solução. E com isso pode regressar o oportunismo e a intolerância.

O Deus de Abraão ou o Deus de Maomé já não satisfazem o homem do século XXI nem respondem às suas dúvidas existenciais. Com efeito, a evolução da ciência tornou a Bíblia  e o Corão obsoletos. Depois de Galileu, a Terra deixou de ser o centro do Universo; depois de Darwin, o Homem deixou de ser o centro da Criação; depois de Freud, a Alma esfumou-se nos meandros do subconsciente. Por isso, o Deus-Pai, que, segundo as escrituras, fez o mundo, desmorona-se com as novas teorias do Big Bang. O Deus-Filho que libertou o homem da escravatura e veio dizer que todos somos iguais, ainda é esperança para muitos,  mas falhou na promessa de uma humanidade  mais justa e mais igualitária. Da Santíssima Trindade sobra o Espírito Santo que, na sua imaterialidade, é o último resíduo da Fé, porventura ainda conciliável com a teoria da Consciência Cósmica que procura interpretar o Universo, explicar as leis da Física e justificar a Vida e a Inteligência.

As últimas décadas trouxeram conhecimentos que nos mostraram a verdadeira dimensão do planeta, antes imaginado com o centro do mundo, mas hoje reduzido à sua pequenez cósmica.  O primata que dominou este planeta, o pequeno blue dot de que falava Carl Sagan, de tão insignificante que é já não pode reivindicar a paternidade de Deus nem imaginá-lo à sua imagem. O Céu,  que hoje sabemos ter centenas de milhares de milhões de galáxias, não está apoiado na Terra como pensava Ptolomeu.

Deus existe porque nós queremos que exista, e porque precisamos que ele exista. Mas ele tem de ser reinventado. Não pode ser uma entidade com inteligência, pois ele entende sem precisar de deduzir; não pode ser juiz  pois as leis do universo não têm falhas para julgar; não determina nem governa pois tudo foi pré-determinado no momento Zero, e não pode ser alterado. Enfim, não pode ter atributos porque os atributos limitam e definem, e isso é redutor. Ele é de facto uma não-entidade, semelhante ao éter que foi necessário para explicar as leis da Física,  e sem o qual se cairia no absurdo.

Desde que o homem tomou, pela primeira vez, consciência da morte (afinal o maior absurdo da criação!) que foi condenado a esta procura incessante de Deus. E não vejo que, algum dia, se liberte desta penitência...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Petróleo: Ótimismo Perigoso

O relatório que a Agência Internacional de Energia (AIE) publica anualmente, no mês de novembro, é um documento essencial para entender a situação energética no mundo, e em particular aquela que diz respeito ao petróleo, a forma de energia fóssil mais sensível para a saúde da economia. Recorde-se que a AIE é o organismo, sededado em Paris, que presta serviço de vigilância energética para os países da OCDE, e providencia a criação de stocks de crude em situações de emergência.

O relatório de novembro passado é apresentado, como habitualmente, com otimismo, apesar das reservas que no anos recentes se podem ler nas entrelinhas dos referidos relatórios. Uma das paricularidades destes WEO´s (World Energy Outlook) é a de apresentarem  previsões de produção e consumo sempre crescentes.

No relatório de 2012, apresentado  à imprensa no mês passado, expressa-se um cenário caraterizado pelas seguintes tendências: a produção de petróleo convencional (o velho crude que brota no estado líquido das jazidas!) continuará estabilizada e suportada pelo previsível aumento da produção no Iraque; haverá forte incremento da produção de crude não convencional a partir das areias betuminosas (tar sands) do Canadá e das  rochas xistosas (oil shale ou tight oil) dos Estados Unidos; valoriza-se ainda o aumento da produção de petróleo de águas profundas, e o ganho que se consegue nas refinarias (onde um litro na entrada se converte em um litro e "pico" na saida). Embalado por estas previsões otimistas o relatório já admite que os Estados Unidos podem voltar a ser o maior país produtor mundial a partir de 2020!

Oa analistas que se debruçam sobre estes dados têm sido unânimes em criticar o otimismo deste relatório apontando os riscos de possíveis ocorrências de alguns percalços. O Iraque, que foi invadido pelos EU há quase 10 anos, tarda em recuperar a produção, mantendo-se nos 2,5 a 3 milhões de barris por dia, muito longe dos  10 milhões previsíveis para daqui a 10 anos. Os problemas de segurança e alguns problemas técnicos como a escassez de água salgada necessária para injetar pressão nas jazidas que estão muito mais afastadas do mar do que as da Arábia Saudita (como é o caso da jazida gigante de Gawhar).

A produção a partir das tar sands no Canadá, feita por mineração ou por injeção profunda, constitui um verdadeiro problema ambiental que está a destruir toda a região de Atabasca na província de Alberta. Máquinas gigantescas extraem as areias que são depois lavadas com água quente (aquecida com gás natural) que arrasta o crude. Esta forma de extração não só tem elevados custos ambientais e energéticos (há quem diga que se gasta 1 barril de petróleo para produzir dois!), mas só se justifica com os elevados preços da matéria prima nas bolsas de mercadorias. O mesmo se pode dizer da produção das rochas de xisto americanas na região de Bakken no Dakota do Norte que é feita pelo processo de fraturaçao hidráulica e que é responsável pela contaminação de aquíferos.

Mas o que mais preocupa os que se ocupam de assegurar o suficiente fluxo energético de petróleo na economia, é a imparável tendência de aumento de consumo nos países emergentes, sobretudo na China e na Índia. Como única forma de conciliar este aumento de consumos nestes países com a escassez de produção, leva a AIE a prever uma forte diminuição de consumo nos países da OCDE que poderá ser de menos de 5 milhões de barris/dia em 2020 comparada com o consumo atual. Ora isto, a acontecer, implica que a retoma económica nestes países ( e o pleno emprego!) será uma ilusão!

O petróleo é o sangue da economia e o recurso mais importante para estimular e sustentar o crescimento que é tão necessário e tão desejado. O otimismo da AIE justifica-se para manter as expetativas a um nível elevado e evitar sentimentos depressivos nos agentes dos mercados.  Mas que não existam ilusões: o petróleo é um recurso finito cuja produção vai recorrer a tecnologias cada vez mais sofisticadas que terá custos ambientais e de exploração crescentes. A sua escassez é talvez o maior problema que a economia mundial vai enfrentar nos anos futuros. O otimismo do recente relatório da AIE serviu para animar a economia, mas é uma cortina de fumo que esconde a verdadeira dimensão do problema, e que, no limite, só servirá apara adiar o confronto com o inevitável cliff energético.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Uma Luz ao Longe

"Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce..."
Fernando Pessoa,  in "Mensagem"
Não podemos ficar de braços cruzados perante a crise, nem à espera do milagre que volte a pôr tudo com era dantes. Desta vez, a solução vai ter de emergir de baixo para cima, a partir de iniciativas particulares, locais ou comunitárias. Eu penso que é este o espírito e o caminho das Iniciativas de Transição. E é  com este ânimo que está a germinar em Almeida (a vila da minha infância, onde eu fiz o meu primeiro exame) a vontade de romper com a depressão económica e erguer a bandeira da cultura e do conhecimento com o objetivo de a combater. Foi em Almeida que, no passado primeiro de dezembro, a ASTA, pela mão da sua presidente, promoveu um encontro para debater o tema.

Saí dessa tertúlia com a convicção reforçada de de que a ideia de transformar Almeida numa  Zona Franca Cultural tem pés para andar. O enquadramento da proposta, nas suas linha gerais, está feito. O objetivo é o de repovoar Almeida com gente  de cultura, artistas, escritores, músicos.... Existe uma vontade generalizada de a implementar, e sinto que a autarquia agarrou a ideia e quer levá-la para a frente. A forma de a concretizar  tem de ser faseada, sem atropelos nem ambição desmesurada, à medida das possibilidades. Não se podem cometer erros, pois estas coisas, se falham, não têm uma segunda oportunidade.

Na tertúlia foram levantadas algumas questões importantes. Que artistas atrair? Quantos, e onde os alojar? Que tipo de apoios conceder? De um modo geral, os contributos dos participantes na tertúlia do "Canto com Alma", foram válidos e oportunos. O mais urgente, agora, é definir o conceito, e, na verdade, já não estamos longe disso. Para tal eu preconizo desenvolver um documento com os seguintes pontos:
  1. Uma apresentação sumária de Almeida e da ideia de Zona Franca Cultural
  2. Quem promove e quem apoia
  3. A sua razão de ser e as vantagens que proporciona
  4. Um nome e um símbolo
  5. A quem se destina
  6. Como funciona. Qual o pacote de incentivos oferecidos
  7. O calendário da implementação
Uma vez definido o conceito, haverá que  comunicá-lo bem (ao público em geral, às escolas de arte e cultura, aos políticos, às instituições culturais, ...), e esperar pela adesão dos destinatários. As candidaturas vão aparecer espontaneamente, mas também podem ser estimuladas. O processo de seleção dos candidatos deverá passar pela apreciação de dois elementos: o currículo e uma carta de motivação. Esta carta de motivação será fundamental para perceber as razões e os objetivos das candidaturas. Haverá um júri de seleção que as apreciará. Depois haverá uma entrevista pessoal com os candidatos, a que se seguirá a publicação dos resultados.

Neste processo a autarquia terá o papel central de dinamização mas vejo alguns parceiros importantes. Em primeiro lugar a ASTA cuja presidente desde há muito tempo revelou uma grande sensibilidade para temas de cultura e uma enorme capacidade de empreender e motivar pessoas. Acho que este também é o momento de revitalizar a Associação de Amigos de Almeida que tem mantido, com uma qualidade, regularidade e independência exemplares, o jornal "Praça Alta". Associações locais (estou a lembrar-me da Rio Vivo e da Adefs, mas haverá outras) também devem dar o seu contributo. Deve também haver um envolvimento ativo do agrupamento de escolas, sem esquecer, naturalmente, a Junta de Freguesia.

O antigo Quartel das Esquadras irá desempenhar um papel importante em todo este processo, e ao projeto da sua recuperação deve ser dada a maior atenção. O dia 2 de julho de 2013, feriado municipal do Concelho, poderá ser a data certa para apresentar publicamente o conceito.

Acendeu-se uma luz ao longe, nesta Estrela do Interior. Vamos alimentá-la e protegê-la para que não se apague!