segunda-feira, 30 de junho de 2014

Notas de Viagem


A cimeira

Foi organizada pela Associação dos Territórios do Vale do Côa e teve lugar em Vilar Formoso, no passado dia 27 de junho. O tema - algo ambicioso - era a  Identidade dos Territórios do Interior.

Convidado como um dos oradores da conferência, falei no segundo painel da manhã onde participou o Dr José Manuel Felix Ribeiro, um prestigiado e conhecido economista, autor de um livro recentemente publicado: Portugal a Economia de uma Nação Rebelde. Na minha apresentação alertei para o grave problema da desertificação do Interior e do envelhecimento da população, e aconselhei que voltar a povoar esta região deveria ser a grande prioridade para perspetivar o futuro. Insisti na cultura como sendo o produto mais indicado para Almeida, e abordei a questão da terra, opinando que a agricultura poderá voltar a  desempenhar  um importante papel, mas que para obter resultados se deverá enfrentar e resolver a delicada questão do emparcelamento rural. Com as escopetas  apontadas à caça grossa dos fundos europeus suspeito que, para os presentes, a mensagem não valeu a pólvora do cartucho e não terá ficado registada. Mas tive  a grata surpresa de, no intervalo do café,  que se seguiu,  assinalar o interesse pelos meus pontos de vista por parte de alguns jovens presentes na assistência.

Acho que se passou ao lado do tema, pois os territórios  - como bem salientou o antropólogo que interveio na parte da tarde -  só fazem sentido, só têm identidade, com a sua população, com a sua história e com as tradições e as lendas que lhe estão associadas.  Na cimeira falou-se de muita coisa e pouco - quase nada - do que resta da população dos territórios do  Interior. Na minha opinião, como  atrás referi, esta conferência centrou-se sobretudo nos fundos da UE que virão dos novos quadros de apoio. Esta pareceu-me ser a  preocupação da grande maioria dos presentes: autarcas, consultores, dirigentes de associações/entidades ligadas à região e ao sector do turismo.  No final, com a longa, inflamada e desenquadrada intervenção de Álvaro Amaro, o Presidente da Câmara da Guarda, parecia que estávamos num comício.

A encerrar a sessão, a Dra. Ana Abrunhosa a presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro  que é quem regulamenta a corrida aos fundos, falou claro sobre as regras do jogo, e, na minha opinião desempenhou bem o seu papel.

Apesar de tudo, a cimeira foi uma boa iniciativa que mostrou o dinamismo da Dra Dulcineia Moura, Coordenadora da Associação dos Territórios do Côa, e que está, assim, de parabéns. Para repetir.

O Nepso e Rato de Biblioteca

O que se passou no sábado, dia 28 de junho, em Almeida, de tão intenso e emocionante que foi, não é fácil de traduzir. Centenas de professores e alunos vindos de norte a sul de Portugal deslocaram-se à Vila-Fortaleza  para o encontro de encerramento das atividades do Nepso e do Rato de Biblioteca referentes ao ano escolar 2013/2014. Os alunos de cerca de duas dezenas de Escolas apresentaram os seus trabalhos num ambiente de festa. Vimos crianças, do pré-escolar e 1º ciclo, vindas de Vila Real e de Estorãos falarem de lixo, de resíduos e de reciclagem. Vimos alunos de Ovar  apresentarem de forma surpreendente as recomendações para higiene oral e os de Vila Nova de Cerveira abordarem o tema da poupança.  Os alunos  do Agrupamento de Escolas de Almeida, servindo-se de uma linda melodia, entoada de forma cristalina por uma aluna, contaram a caminhada do Rio Côa desde a serra das Mesas até ao Douro. Vimos o grupo de Braga falar-nos de bullying e o grupo de Matosinhos abordar a questão - tão importante e tão decisiva para o futuro da Humanidade - da manipulação da fertilidade. Não quero - nem posso - deixar de referir os grupos de Arcozelo, da Lousã, de Viseu, de Santa Cruz da Trapa, das Caldas das Taipas, de Aveiras de Cima, de A-Ver-o-Mar, de Portimão, de Vila Real de Santo António, do Bairro Padre Cruz de Lisboa que nos apresentaram os seus trabalhos,  com brilho, com criatividade, com  entusiasmo, com alegria e com a satisfação do dever cumprido.

Tudo isto, e muito mais, foi o coroar de uma ano de trabalho de dezenas de professores e quase mil alunos que aderiram aos programas da Fundação Vox Populi e embarcaram na aventura da investigação dos temas que eles próprios escolheram.

A família, os amigos.

Em Almeida, eu e a Paula, a minha mulher,  tivemos a alegria de partilhar estes momentos com a São e o João, com o Américo e com a Paula Pato, com o Rau, com os meus filhos Pedro e Luísa. E até o Whisky, o nosso cão, participou.  Vivemos momentos únicos que justificam todo o esforço que dedicamos, de forma voluntariosa e desinteressada, a estes projetos.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A Questão da Terra

Em 1375, após os anos da peste negra, numa situação de fome, de crise e de abandono dos campos, o Rei D. Fernando manda publicar a Lei das Sesmarias, determinando que os possuidores das terras incultas eram obrigados a cultivá-las ou, caso o não fizessem, perderiam a sua posse. Naqueles tempos as terras pertenciam à Coroa, aos senhores feudais ou às ordens religiosas; eram distribuídas aos agricultores pelo sesmeiro em regime de enfiteuse ou de aforamento. Os agricultores, por sua vez, pagavam uma renda e podiam transmitir os direitos aos seus descendentes por um certo número de gerações ou de forma perpétua. Com o decorrer do tempo, esses contratos foram sendo resolvidos e acabou por prevalecer o regime de propriedade plena em que a posse da terra é reconhecida como perpétua e transmissível. A Lei das Sesmarias ficou para a História mais pela sua intenção do que pelos resultados obtidos - que não se conhecem, mas os quais, imagino eu, não terão sido notáveis.

A partir do momento em que o homem se sedentarizou e começou a produzir os seus alimentos, a questão da propriedade e da posse da terra passou a ser uma questão central dos estados organizados. A posse da terra conferia poder, era disputada, passava de pais para filhos. O sistema hereditário de morgadio foi instituído para manter a unidade das explorações, e o seu abandono favoreceu a divisão da terra. Durante séculos, nas serras e nos planaltos da Beira Interior, a área dos terrenos, sucessivamente divididos pelos filhos, foi-se reduzindo, ao mesmo tempo que se começaram a levantar muros à volta dessas parcelas progressivamente mais minúsculas.

O sistema de minifúndio vigorou pacificamente no norte de Portugal durante centenas de anos: cultivava-se a terra e apascentava-se o gado nas pastagens. Toda a vida das comunidades decorria à volta destas atividades. Mas a era industrial alterou este estado de coisas. A utilização de uma energia armazenada durante milhões de anos - a energia fóssil - permitiu concentrar a produção de alimentos nas regiões mais convenientes e mais produtivas, e criar um sistema de transportes e de distribuição para levar, a preços mais baixos, esses alimentos a outras regiões. Foi isso que matou a agricultura de subsistência baseada nas pequenas explorações familiares . Os agricultores, privados da sua fonte de rendimento, abandonaram a terra, emigraram para as cidades, e muitos campos foram deixados incultos.

Na atualidade, a crise, o desemprego, o desencanto dos subúrbios das megaurbes leva as pessoas a voltar a olhar para o campo, e muitos começam a acreditar que esse pode voltar a ser o destino de uma Humanidade despojada dos recursos fáceis mas esgotáveis da era do carbono. Neste contexto, volta a colocar-se a questão do ordenamento do território agrícola e da necessidade de valorizar e viabilizar as explorações para voltar a atrair pessoas para o campo. Volta a falar-se de emparcelamento. O regime de minifúndio não permite fazer uma agricultura nos moldes modernos e isso tem de ser rapidamente alterado.

O futuro da agricultura de vastas zonas - sobretudo no norte de Portugal - depende da capacidade de modificar o regime da propriedade rural. Disso mesmo se aperceberam os governantes que, desde o século XIX, têm legislado no sentido de promover o emparcelamento. Terá sido Salazar quem, em 1962, com a publicação das leis do emparcelamento - Lei n.º 2116, de 14 de Agosto, e o Decreto n.º 44647, de 26 de Outubro - procurou de forma mais consistente resolver esta questão. No entanto, os resultados foram parcos, pode dizer-se praticamente nulos, e a questão de fundo prevalece sem alteração. Em 1988 uma nova tentativa - o Decreto-Lei n.º 384/88 de 25 de Outubro - teria o mesmo insucesso. Chegou o momento de investigar as causas destes falhanços, e regressar ao assunto de forma mais consequente.

Para alimentar a população em crescimento, durante milhares de anos os campos da Europa foram desflorestados, arroteados, desbastados, lavrados. A irrigação, a lavoura, a charrua de ferro, os fertilizantes importados de outras paragens (os fosfatos, o guano,...) permitiram aumentar a produtividade da terra. As regiões bastavam-se a elas próprias; prosperaram. Nas terras semeadas, tratadas, irrigadas, a energia solar transformava-se em alimento. As grandes catedrais da idade média, as viagens de exploração iniciadas no século XVI, a renascença, o desenvolvimento científico, nasceram da terra.

Nos nossos dias já não é a terra cultivada que move o mundo, mas sim o líquido negro que jorra das suas entranhas. Porém, a nossa civilização tem as suas raízes no amanho terra. Só a seiva que flui dessas raízes poderá trazer a prosperidade a que todos aspiramos. Temos de as cuidar e preservar se queremos ter futuro!

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Crepúsculo nas Serras

A globalização da economia, que é uma consequência da disponibilidade de abundantes quantidades de energia fóssil, provocou um tsunami civilizacional. Os seus efeitos, sobretudo a partir de 1945, fizeram sentir-se de várias formas na vida das pessoas e das comunidades. Em qualquer continente, na mais remota das localidades, o modo de vida da geração atual é muito diferente do das gerações que a precederam. A chamada revolução verde transformou a agricultura tradicional, introduziu novos fertilizantes, dispensou a mão de obra humana, substituiu os animais pelas máquinas, esvaziou os campos e atraiu a gente do mundo rural para as cidades em crescimento. A urbanização - tornada possível pelo automóvel e pelo elevador - é a marca mais evidente da globalização.

 Nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, na Europa em reconstrução, a atração das zonas urbanas - em franco desenvolvimento e ávidas de mão de obra – provocaram, dentro do continente, fluxos populacionais que convergiram das periferias pobres e rurais para o centro rico e industrializado. Em zonas mais deprimidas e com menos recursos, essas migrações sentiram-se muito fortemente e vieram alterar equilíbrios e modos de vida seculares. Nessas zonas, a agricultura e a pecuária, baseadas em pequenas explorações familiares de baixa produtividade, não podiam competir com as explorações intensivas e subsidiadas da Europa Central. Muitos campos foram deixados ao abandono. A União Europeia não criou alternativas economicamente viáveis para estas regiões, que rapidamente começaram a definhar, a perder população e a envelhecer.

Ao longo da raia que divide os países ibéricos, dum lado e do outro, existe uma vasta região que sofreu, talvez como nenhuma outra, o impacto da globalização. E isso é perfeitamente notório no interior beirão, mais propriamente na região de Ribacôa, que pode identificar-se, grosso modo, com os concelhos de Figueira Castelo Rodrigo, Sabugal, Almeida e Pinhel.

Durante séculos, Ribacôa foi um útero fecundo que gerou gente de qualidade, forjada no trabalho duro do amanho da terra madrasta. Gente que encheu seminários, escolas e universidades, e de onde saíram militares, clérigos, políticos, pensadores, escritores, professores, médicos e artistas. Foi também essa gente que se aglomerou nas cobertas das terceiras classes dos paquetes que demandavam a América, a África e o Brasil, novas terras que ajudaram a povoar e a progredir. Uma boa parte dessa gente desenraízou-se. Alguns aguardarão saudosos no cativeiro dos subúrbios de metrópoles europeias o dia do regresso. Mas a matriz da fecundidade secou. O esvaziamento levou a população ativa e em idade fértil, as escolas fecharam, o panorama é desolador.

Nas atuais condições, estas regiões - e em particular a região de Ribacôa - são altamente subsidiadas e passaram a representar para o país um elevado custo social e administrativo. Não produzem riqueza, mas absorvem recursos. Têm de ser governadas e administradas juridicamente com meios sobre-dimensionados para a sua população e economia; e, dada a sua extensão geográfica, o custo do serviço social é elevado e ineficiente. Numa lógica economicista o país ficaria a ganhar se construísse um bairro na periferia de uma grande cidade e para lá fizesse deslocar toda população dos concelhos mais pobres do interior. A crise, ao escrutinar e contabilizar o custo/beneficio das rubricas do Orçamento do Estado, veio evidenciar esta realidade escondida.

Um crepúsculo sereno vai caindo sobre as serranias e sobre os planaltos da Beira. Nota-se já alguma resignação na expectativa com que se olha para o breu da noite que se aproxima. Mas uma chama ténue persiste ainda em manter-se, esperando que os guardiões da luz venham com a sua criatividade preparar uma nova alvorada.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sinais de Borrasca

O petróleo é uma matéria prima indispensável à economia. Sem petróleo, os aviões ficarão em terra, as autoestradas ficarão vazias e a economia ficará paralisada. A escassez de petróleo e o aumento dos preços que lhe está associado é, só por si, a causa principal das crises económicas cíclicas e, em particular, daquela com que nos defrontamos. Entre os especialistas da matéria existe hoje um vasto consenso: a insuficiência de crude vai acontecer antes de estarem encontradas alternativas energéticas viáveis para o sector dos transportes. Aliás, essa escassez já está a verificar-se; e apesar das tentativas para a ocultar, os sinais da penúria surgem por todo o lado.

Em fevereiro deste ano, numa desassombrada palestra proferida na Universidade da Colúmbia , Steven Kopits - um especialista da agência de estudos de mercado Douglas Westwood - referiu-se, clara e detalhadamente, à situação mundial do mercado de petróleo. Começou por afirmar que a previsível evolução da produção e dos preços da matéria prima já não se ajustam ao modelo que tem estado em vigor, em que a procura determina a oferta. Considera que já não é válida a premissa - estabelecida no tempo em que a torneira da OPEC parecia inesgotável - de que o petróleo aparece sempre, e nas quantidades necessárias, desde que exista procura para ele. Ao contrário, estamos agora numa fase em que o consumo tem de adaptar-se a uma oferta cada vez mais escassa. Entenda-se, existe menos petróleo, é mais difícil de extrair e é mais caro. Ora, esta nova realidade vai ter um efeito direto no crescimento do PIB mundial.

 Desde 2005, na opinião daquele especialista, que a resposta da produção ao acréscimo de procura é assegurada apenas por um esforço suplementar baseado nas formas de crude não convencionais (petróleo de águas profundas, areias betuminosas, petróleo de xisto, conversão de gás em petróleo...). Era esta realidade que os americanos pretendiam ver alterada após a invasão do Iraque. Mas isso não aconteceu, antes pelo contrário. A China e a Índia , em fase de motorização acelerada, estão a aumentar o seu consumo, e isso só tem sido possível, sem distorções nos preços, porque os países da OCDE - em parte como consequência da crise - têm consumido menos, como aconteceu nos Estados Unidos e na Europa.

A parte mais interessante da palestra de Kopits - para muitos uma novidade - foi focada na situação financeira das grandes empresas petrolíferas internacionais (as IOC´s -Internacional Oil Companies), que ele considerou estar a degradar-se, na medida em que os investimentos feitos na pesquisa e desenvolvimento de novas explorações, não têm sido compensados pelo retorno da produção. Isso tem levado algumas delas a abandonar ou adiar projetos menos rentáveis e até a vender ativos. Como exemplo, citou o caso da Shell que, por dificuldades de liquidez, recentemente pediu dinheiro emprestado para pagar dividendos aos seus acionistas. Algo impensável há alguns anos atrás. Segundo Steven Kopits, os atuais preços do crude e a estrutura de custos das produtoras já não permitem a libertação de fundos para suportar os investimentos crescentes que é necessário fazer e para pagar os dividendos exigidos pelo acionistas. Daí a conclusão de que estas empresas necessitam de preços bem acima dos 100 dólares por barril, possivelmente 20 ou 30 dólares acima das cotações atuais das bolsas de Londres e de Nova York. Só que a economia dificilmente suportará esses preços.

Outras fontes dão conta da situação na Líbia, um país tradicionalmente exportador, onde, devido aos conflitos internos, está praticamente paralisada a exploração e onde podem cair a zero as exportações, pois a quantidade produzida mal chega para abastecer e manter em funcionamento as refinarias locais que abastecem o mercado interno. Outro país problemático é o Iraque, país onde o custo da fatura da guerra, suportada pelos Estados Unidos, foi de 800 mil milhões de dólares e os almejados resultados tardam em aparecer. O Kurdistão teima em reivindicar a apropriação do crude produzido no seu território e já exporta diretamente. Numa outra zona geográfica, no Brasil, as jazidas pré-salinas da bacia de Santos, devido a dificuldades técnicas, ainda estão longe de produzir as quantidades previstas. O Brasil que, há quatro anos, se preparava para entrar no grupo dos exportadores, continua a importar a matéria prima.

Entretanto, depois da euforia que, desde 2011, tem grassado nos media americanos face às épicas promessas do fracking e do petróleo de xisto, as notícias são agora bem mais desanimadoras. A EIA (Energy Information Administration) informou, no passado mês de Maio, que as reservas recuperáveis de petróleo de xisto, em Monterey, na Califórnia - só por si representando dois terços da totalidade das reservas americanas - antes estimadas em 13,7 mil milhões de barris, não são, afinal, mais do que 600 milhões de barris, ou seja, apenas 4% do valor inicialmente previsto. Um autêntico balde de água fria que desfaz o sonho da tão propalada independência energética dos Estados Unidos.

As civilizações, tal como os seres vivos, quando deixam de crescer começam a morrer. O petróleo é o sangue da economia que sustenta a civilização Global. A escassez desse fluido vital está a provocar uma anemia, com prognóstico pouco otimista. No horizonte acumulam-se nuvens escuras, as quais podem vir a transformar-se naquilo que já alguém chamou a tempestade perfeita.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Elo Mais Fraco


A ideia de progresso está ligada à ideia de complexidade. O plasma inicial do big bang produziu as partículas atómicas elementares e, mais tarde, o átomo de hidrogénio - um protão e um eletrão girando em torno dele -, que é o mais simples de todos os átomos. Foram os átomos de hidrogénio que formaram as primeiras estrelas, e foi no interior dessas estrelas que, por ação da pressão e da temperatura, aqueles  átomos simples se fundiram para gerar outros átomos. Formaram-se, deste modo, os elementos mais pesados que se dispersaram na explosão das supernovas e que haviam de formar os planetas.

O átomo de carbono é o mosaico da vida. Associado com outros elementos forma moléculas com estruturas progressivamente mais complexas. Foi nos meandros dessa complexidade que surgiu a Vida, primeiro elementar, depois mais elaborada e diferenciada. Apareceram os seres unicelulares, os microrganismos, os primeiros invertebrados, os peixes, os répteis, as aves, os mamíferos e, finalmente, o homem. A complexidade da criação é desorganizada, não existe uma programação ou uma construção dos seres mais evoluídos. A evolução é gerida pelo acaso e pela lei das probabilidades, mas parece haver um determinismo que favorecendo  as soluções, produzidas pelo acaso, faz com que tenham um sentido. A vida não foi criada por um sopro divino, mas parece existir uma mão invisível que a protege quando ela se manifesta.  E este determinismo está aparentemente em contradição com os princípios da Física que dizem que as coisas, entregues a si próprias, se vão progressivamente degradando.

Nas sociedades humanas, o progresso consiste também no aumento da complexidade e na diferenciação  entre os indivíduos. Teve um primeiro grande impulso há um milhão de anos pela descoberta do fogo, quando o homem começou a cozinhar os alimentos e a apropriar-se da energia da biomassa. Mas foi sobretudo nos últimos dez mil anos, quando o homem começou a cultivar a terra e a fixar-se nas margens dos rios e dos lagos, que essa diferenciação se acelerou. As sociedades indiferenciadas de caçadores-recoletores transformaram-se na sociedade global dos nossos dias. De tal forma, que existem atualmente dezenas de milhares de funções diferentes na sociedade global.

A complexidade social, suportada pelo  sistema económico - ele próprio um sistema complexo, ao contrário da complexidade desorganizada do cosmos-, é uma complexidade organizada. Ela surge e  desenvolve-se quando se torna necessário superar dificuldades ou  encontrar soluções para os problemas. Essas soluções implicam a  introdução de novos agentes, de novas relações, aumentam  a dependência entre os elementos, criam novas redes, ampliam as existentes, tudo no sentido de aumentar a complexidade

Foi Joseph Tainter, um antropólogo e historiador, que no seu livro Colapso das Sociedades Complexas, alertou para alguns aspetos cruciais inerentes ao progresso. Começa por nos dizer que a complexidade tem um custo associado, o qual identifica como sendo um custo energético. A sua tese é de que o custo de aumentar a complexidade tem retornos decrescentes, e, sendo assim, chegará o momento em que já não compensa aumentá-la. Isso acontecerá quando o custo associado a esse aumento - ou até à sua manutenção - for inferior aos benefícios que acarreta. Numa tal situação, pode mesmo haver um quebra brusca de complexidade, que significa, para Tainter, o colapso. Dá exemplos de sociedades onde isso já aconteceu, nomeadamente o caso, que ele estudou, do Império Romano.

Nos sistemas complexos existem dois riscos:  o custo de manter a complexidade e o aumento da probabilidade de  ocorrência de ruturas nas redes que a suportam. Alguns desses sistemas são particularmente sensíveis. E destaco entre eles o sistema financeiro, o sistema de comunicações e os sistemas de segurança.  O sistema financeiro que suporta a economia tem uma grande e crescente complexidade. E já nos demos conta - recordo a crise de 2008 - quão frágil e vulnerável ele é. Nos anos recentes, a informática e as comunicações estão na base de um extraordinário acréscimo de complexidade  e a  Internet, que alia a informática às comunicações, é o expoente dessa nova complexidade. Este sistema, que cresce exponencialmente, é também de uma grande vulnerabilidade e é muito grande a dependência que estamos a criar em relação a ele.

Também não podemos esquecer que existem grupos de pessoas interessadas em interferir nos sistemas vulneráveis e sensíveis. Isso tem provocado que se tenha criado um sistema envolvente - refiro-me ao sistema de segurança -, que visa proteger os outros sistemas vulneráveis. Ora o sistema de segurança é, ele próprio, um sistema de grande complexidade, muito sensível e com custos crescentes.

O crescimento demográfico, a escassez de  recursos- em particular os energéticos- e o risco ambiental - poluição e alterações climáticas - serão as forças determinantes da ameaça de colapso que forçosamente a espécie humana terá de enfrentar. Elas conjugam-se. Mas o gatilho que as libertará poderá estar a ser armadilhado nos sistemas complexos da sociedade e da economia. O elo mais fraco poderá ser a Internet, o sistema financeiro, a rede elétrica, a rede energética  ou os sistemas de segurança.

Se um dia se romper o elo mais fraco, a complexidade reduzir-se-á drasticamente