segunda-feira, 16 de junho de 2014

Crepúsculo nas Serras

A globalização da economia, que é uma consequência da disponibilidade de abundantes quantidades de energia fóssil, provocou um tsunami civilizacional. Os seus efeitos, sobretudo a partir de 1945, fizeram sentir-se de várias formas na vida das pessoas e das comunidades. Em qualquer continente, na mais remota das localidades, o modo de vida da geração atual é muito diferente do das gerações que a precederam. A chamada revolução verde transformou a agricultura tradicional, introduziu novos fertilizantes, dispensou a mão de obra humana, substituiu os animais pelas máquinas, esvaziou os campos e atraiu a gente do mundo rural para as cidades em crescimento. A urbanização - tornada possível pelo automóvel e pelo elevador - é a marca mais evidente da globalização.

 Nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, na Europa em reconstrução, a atração das zonas urbanas - em franco desenvolvimento e ávidas de mão de obra – provocaram, dentro do continente, fluxos populacionais que convergiram das periferias pobres e rurais para o centro rico e industrializado. Em zonas mais deprimidas e com menos recursos, essas migrações sentiram-se muito fortemente e vieram alterar equilíbrios e modos de vida seculares. Nessas zonas, a agricultura e a pecuária, baseadas em pequenas explorações familiares de baixa produtividade, não podiam competir com as explorações intensivas e subsidiadas da Europa Central. Muitos campos foram deixados ao abandono. A União Europeia não criou alternativas economicamente viáveis para estas regiões, que rapidamente começaram a definhar, a perder população e a envelhecer.

Ao longo da raia que divide os países ibéricos, dum lado e do outro, existe uma vasta região que sofreu, talvez como nenhuma outra, o impacto da globalização. E isso é perfeitamente notório no interior beirão, mais propriamente na região de Ribacôa, que pode identificar-se, grosso modo, com os concelhos de Figueira Castelo Rodrigo, Sabugal, Almeida e Pinhel.

Durante séculos, Ribacôa foi um útero fecundo que gerou gente de qualidade, forjada no trabalho duro do amanho da terra madrasta. Gente que encheu seminários, escolas e universidades, e de onde saíram militares, clérigos, políticos, pensadores, escritores, professores, médicos e artistas. Foi também essa gente que se aglomerou nas cobertas das terceiras classes dos paquetes que demandavam a América, a África e o Brasil, novas terras que ajudaram a povoar e a progredir. Uma boa parte dessa gente desenraízou-se. Alguns aguardarão saudosos no cativeiro dos subúrbios de metrópoles europeias o dia do regresso. Mas a matriz da fecundidade secou. O esvaziamento levou a população ativa e em idade fértil, as escolas fecharam, o panorama é desolador.

Nas atuais condições, estas regiões - e em particular a região de Ribacôa - são altamente subsidiadas e passaram a representar para o país um elevado custo social e administrativo. Não produzem riqueza, mas absorvem recursos. Têm de ser governadas e administradas juridicamente com meios sobre-dimensionados para a sua população e economia; e, dada a sua extensão geográfica, o custo do serviço social é elevado e ineficiente. Numa lógica economicista o país ficaria a ganhar se construísse um bairro na periferia de uma grande cidade e para lá fizesse deslocar toda população dos concelhos mais pobres do interior. A crise, ao escrutinar e contabilizar o custo/beneficio das rubricas do Orçamento do Estado, veio evidenciar esta realidade escondida.

Um crepúsculo sereno vai caindo sobre as serranias e sobre os planaltos da Beira. Nota-se já alguma resignação na expectativa com que se olha para o breu da noite que se aproxima. Mas uma chama ténue persiste ainda em manter-se, esperando que os guardiões da luz venham com a sua criatividade preparar uma nova alvorada.

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